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sexta-feira, 15 de setembro de 2017

As Gameleiras de Tempo de Nosso Senhor de Vera Cruz







No dia 14 de setembro dia de Nosso Senhor Jesus Cristo de Vera Cruz, celebra-se na Ilha de Itaparica, nas ruínas da igreja construída em 1560, o dia da verdadeira (daí Vera) simbiose da Natureza (incutida na Gameleira) com o templo cristão católico em simultaneidade com o sincretismo religioso das religiões de matriz africana. Quem ainda não visitou essas ruínas, aconselho de fazê-lo com o espírito aberto para, desse modo, perceber a força estonteante do que a natureza é capaz de fazer na preservação do mistério do sagrado embutido na vida desse planeta.
Na condição de leitor e pesquisador quando lá estive pela primeira vez em 2004 a lembrança que guardo até hoje é a de que me paralisei; quase não conseguia adentrar ao templo, ali eu vi a casa de Tempo abraçando o Sagrado na sacralidade das paredes da igreja. Uma das coisas mais impressionantes é a de que os ramos de uma gameleira centenária perpassam as paredes de dentro e de fora como se fossem sustentáculos salvaguardando a ancestralidade da Ilha de Itaparica vivida nas tradições dos Tupinambá.




Eu, na condição de filho de Omolú Tempo (ato tô, meu Pai) ao vir residir nessa ilha sagrada, a chamado de meu pai, fui percebendo e compreendendo ao longo do tempo porque a Baía de Todos os Santos, acrescentando-se o seu recôncavo reconvexo, possui uma das maiores e profundas forças espirituais da América Latina. Em comparando com Machu Pichu, um dos santuários mais importantes do mundo, essa ilha é infinitamente superior em espiritualidade ainda atual, pois Machu Pichu esvaziou-se do sagrado devido ao fato de não se celebrar e efetuar oferendas às divindades, mesmo à grandiosa Pacho mama, desde a chegada dizimadora e escarnecedora dos exploradores espanhóis, dito colonizadores.
No entanto, felizmente, ainda nessa baía, celebra-se, reverencia-se, festeja-se, dança-se o samba de roda, bebe-se loucamente como filhos de Tempo, haja vista que no povoado de Baiacú onde estão as ruínas da igreja de Nosso Senhor de Vera Cruz, todas as segundas feiras, dia de Exú [larô Exú] e de Obaluaiê [a tô tô, meu pai] seus habitantes, constituídos em sua maioria de pescadores, não trabalham, contudo, passam todo o dia bebendo dionisiacamente diante dos mangues de Nanã (a grande mãe que habita na lama de onde nascem e crescem todos os mariscos, siris e caranguejos que são vendidos na ilha e em Salvador. É igualmente nessa baía recôncava/reconvexa que existem os terreiros de Candomblé mais poderosos e profundos nos fundamentos das tradições dos Orixás/Ynkisis, dos Caboclos, Boiadeiros e Índios do continente Latino Americano.




Se “a força de um povo está em suas tradições”, parafraseando o agramático professor de filosofia da Universidade Federal da Bahia, sua anversidade, representado nos assassinatos dos símbolos pelos evangélicos, põe-nos, numa responsabilidade ética, histórica, política e fundamentalmente mística, de que não podemos nos imiscuir dessa avassaladora onda pan proselitista de um fenômeno execrável dito religioso.  Por analogia, note-se o que está acontecendo na Coréia do Norte pelas mãos insidiosas e satânicas de Kim Jong-um que, após de ter assassinado todos os seus mitos, símbolos e cultos da sua ancestralidade, pode armar-se sob a égide de Satã e da Ciência para provocar uma possível aterradora guerra nuclear.
Eis o maior perigo dos evangélicos em nosso continente, o de assassinar ininterruptamente nossas tradições através da demonização da Simbólica do Mal.

Que Nosso Senhor de Vera Cruz, dê-nos o devido discernimento e nos proteja, Amém.

Ilha de Itaparica, 14 de setembro de 2017.

Meursault
Refugiados do Absurdo