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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

Saudação à 2015, seja bem-vindo!



Em um mundo moderno em que a razão supera todas as expectativas da existência; em um mundo em que a ordem só pode ser entendida pelo prisma das ideologias; em um mundo em que as injustiças não são devidamente reparadas e em que a justiça é impotente, o absurdo se conSolida e não encontra eco nas consciências. Ora, se a razão declarou, desde Descartes, que o real só pode ser compreendido se objetivado, a esfera do simbólico gira aleatoriamente sem poder firmar-se no mundo. A arte e a religião ocupam, portanto, a responsabilidade de interpretação, mas não de positividade com o real. Impera a “peste” da ignorância e os ratos, condutores da epidemia, inoculam, desde o início da propagação, o vírus da cegueira e o da resignação. O primeiro destitui os homens de conhecimento, enquanto que o segundo atira-os aos confins da vida celeste ou nos Jardins suspensos da Babilônia terrestre. Em A Peste de Albert Camus, essa alegoria da alienação é descrita sem piedade, mostrando, inclusive, o estágio a que chegam os contaminados pela peste. As feridas expostas pela peste mostram o grau de ignorância de uma sociedade que não se preveniu deste tipo de mal, contudo, deSolada e doente, não pode mais estar aberta aos contatos com o resto do mundo. O absurdo conSolida-se como se fora irremediável. A clausura provocada pela epidemia faz definhar, pouco a pouco, a dimensão cosmopolita de uma cidade. Fazem de seus cidadãos seres decaídos e miseráveis. A morte, por seu turno, mostra seu rosto através do desespero e tenta sobrepor-se à vida.
Estamos vivendo na época das absurdidades

e a humanidade declina e se amofina diante do outro e não se dá conta de sua indiferença e de sua estupidez... que 2015 não sucumba a todos nós. Só nos resta a solidariedade e as manifestações sociais que bloqueiam o mal do fanatismo e nos recoloca na esfera do Ser. Pois o quinhão, já de há muito, cobra pela melancolia um estado de espírito que se ponha próximo do devir (vir-a-ser) da existência.
Lourenço Leite

sábado, 15 de novembro de 2014

Ode a Manuel de Barros (1916-2014)








Caro Sr. João de Barro,
Soube por esses dias que deixastes nosso quintal do mundo e dirigistes ao novo Éden a fim de poderes cantar como passarinho, falar como os deuses da floresta, e recolher os resíduos da existência humana para fazer poesia.
Daqui, tentarei alimentar seus passarinhos, suas cutias, seus patos, suas flores, suas árvores, seu gato e seu cachorro.
Vou dizer a eles que você tá vindo logo pela aurora da noite, 
Sua benção, meu/nosso poeta maior do Mato Grosso do Brasil.

O livro sobre nada

É mais fácil fazer da tolice um regalo do que da sensatez.
Tudo que não invento é falso.
Há muitas maneiras sérias de não dizer nada, mas só a poesia é verdadeira.
Tem mais presença em mim o que me falta.
Melhor jeito que achei pra me conhecer foi fazendo o contrário.
Sou muito preparado de conflitos.
Não pode haver ausência de boca nas palavras: nenhuma fique desamparada do ser que a revelou.
O meu amanhecer vai ser de noite.
Melhor que nomear é aludir. Verso não precisa dar noção.
O que sustenta a encantação de um verso (além do ritmo) é o ilogismo.
Meu avesso é mais visível do que um poste.
Sábio é o que adivinha.
Para ter mais certezas tenho que me saber de imperfeições.
A inércia é meu ato principal.
Não saio de dentro de mim nem pra pescar.
Sabedoria pode ser que seja estar uma árvore.
Estilo é um modelo anormal de expressão: é estigma.
Peixe não tem honras nem horizontes.
Sempre que desejo contar alguma coisa, não faço nada; mas quando não desejo contar nada, faço poesia.
Eu queria ser lido pelas pedras.
As palavras me escondem sem cuidado.
Aonde eu não estou as palavras me acham.
Há histórias tão verdadeiras que às vezes parece que são inventadas.
Uma palavra abriu o roupão pra mim. Ela deseja que eu a seja.
A terapia literária consiste em desarrumar a linguagem a ponto que ela expresse nossos mais fundos desejos.
Quero a palavra que sirva na boca dos passarinhos.
Esta tarefa de cessar é que puxa minhas frases para antes de mim.
Ateu é uma pessoa capaz de provar cientificamente que não é nada. Só se compara aos santos. Os santos querem ser os vermes de Deus.
Melhor para chegar a nada é descobrir a verdade.
O artista é erro da natureza. Beethoven foi um erro perfeito.
Por pudor sou impuro.
O branco me corrompe.
Não gosto de palavra acostumada.
A minha diferença é sempre menos.
Palavra poética tem que chegar ao grau de brinquedo para ser séria.
Não preciso do fim para chegar.
Do lugar onde estou já fui embora.



O apanhador de desperdícios

Uso a palavra para compor meus silêncios.
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis.
Tenho em mim um atraso de nascença.
Eu fui aparelhado
para gostar de passarinhos.
Tenho abundância de ser feliz por isso.
Meu quintal é maior do que o mundo.
Sou um apanhador de desperdícios:
Amo os restos
como as boas moscas.
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios.

quarta-feira, 23 de julho de 2014

Soleira do Sertão: Ariano Suassuna







A cultura do nordeste e do Brasil, mais uma vez fica órfã de um pensador andarilho, de pés descalços como um caboclo, de nariz empinado como um índio, desbravador como um vaqueiro sem chapéu de couro para se proteger dos espinhos da caatinga... O grande mestre dos autos e das compadecidas cumpriu sua tarefa de falar, bradar e escrever a cultura de um povo fora da academia... Do povo descalço dos emaranhados ideológicos e da religião suprema da eucaristia judaico-cristã... Do povo que sempre soubera viver as intempéries do sertão sob a égide do sagrado, do divino nas entranhas da fome, da dança, dos folguedos, dos xaxados, das romarias e das cantorias...”Ó Deus salve o oratório, Ó Deus salve o oratório, onde Deus fez a morada, oiá meu Deus, onde Deus fez a morada, oiá... onde mora o Cales Bento e Ariano Suassuna, oiá...”...
À benção Suassuna, diz pra lá onde fores que a gente dessa terra que vós ajudastes a arar, ainda espera a chuva chegar...