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quarta-feira, 23 de março de 2016

Tributo aos 120 anos do Cinema




Lourenço Leite
Professor de Filosofia e Crítico de Cinema


Foi há 120 anos, no dia 28 de dezembro de 1895, no Grand Café, no Boulevard des Capucines, em Paris, que os irmãos Louis e Auguste Lumière organizaram a primeira sessão de cinema da história. Esses irmãos nasceram com a Luz, faltava-lhes o movimento e o som. Com seu cinematógrafo o mundo acabara de ser presenteado com a sétima inigualável arte – o Cinema.
De Serguei Eisenstein com seu Encouraçado Potemkin (Bronenosets Potyomkin /The Battleship Potemkin) até À Garota Dinamarquesa (The Danish Girl) de Tom Hooper o cinema se superou em qualidade técnica, efeitos especiais e em interpretações magistrais. Quisera poder elencar a lista de filmes, de diretores e atores ao longo desses 120 anos, mas me é impossível, contudo posso destacar que o cinema contribuiu para que pudéssemos efetuar uma compreensão do passado, do presente e do futuro sem deixar de conduzir-nos de volta à realidade existencial.
Os geniais diretores de cinema ultrapassaram em seu vanguardismo a filosofia, a técnica e a ciência; mostraram no mundo virtual a possibilidade de imaginarmos como seria o que pode ser diferente. A alteridade sempre fora o esteio de suas obras cinematográficas, haja vista o que se pode vislumbrar em O Vampiro de Dusseldorf de Fritz Lang ou em O Corcunda de Notre Dame de Peter Medak além de inumeráveis películas sobre o Outro.

O cinema nasce com a magia consolidada nos rituais de projeção das salas em todos os cantos do planeta terra. Das montanhas do Tibet à Monte Santo no sertão da Bahia, crianças, jovens, adultos e idosos estiveram maravilhados diante de uma tela, às vezes tosca montada de um lençol roto ou nas salas especiais de shoppings com recursos de HD e som surround o cinema fez chorar em silêncio e a regozijar seus espectadores com os reencontros inesperados e almejados.  Fez nos sentirmos mais humanos e mais diabólicos; ensinou-nos a amar um E.T. e até mesmo um robô. Abrilhantou-nos com a sutileza da vida simples do cotidiano em O Fabuloso Destino de Amélie Poulain de Jean-Pierre Jeunet ou em O Porco Espinho (Le Hérisson) de Mona Achache. Através dessas grandiosas obras cinematográficas o mundo pudera perscrutar o não-dito do dito, as sutilezas do dia a dia da existência humana. Pôde revelar O divino do Outro e o Mistério do Sagrado mesmo em sua inescrutável epifania. A inalcançabilidade do Outro fora aproximada pela cena tênue e sofisticada demonstrada pelo gesto do ator, mesmo coadjuvante, ao levantar o véu do suposto Tuaregue em O Céu que nos Protege de Bernardo Bertolucci.

O cinema tivera a proeza de servir de permuta da vida real como se fora real, ao menos no imaginário dos personagens em Lisbela e o Prisioneiro de Guel Arraes em que a atriz Débora Falabella age de acordo com o que vê na tela do cinema de sua cidade e sempre aguardando que se efetive o que fora mostrado. O filme é mais que um deleite para a alma e para o espírito ao mostrar que o cinema pode tudo sem alterar o nosso dia a dia nem nosso destino tecido pelas Moïras fiandeiras. O mundo do cinema é a realidade virtual alternativa para que a mente humana possa alçar vôos sem limites e plainar acima da realidade com um olhar de acuidade como de uma águia para, ao descer, capturar a preza nefasta do preconceito, da dor inesperada, da frustração sem sentido, da indiferença sem culpa, da música não tocada, do beijo que não fora dado, da verdadeira trepada que nunca acontecera.
Meu olhar sobre o cinema é como o olhar de Hermes e Exú que quer interpretar para as gerações vindouras o simbólico da arte maior. Parabéns, Cinema! Que seu espírito perpasse o Tempo e traga-nos de volta o possível verdadeiro...