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domingo, 25 de agosto de 2013

O Kairós e a Presença do Sagrado



Lourenço Leite

Qualquer caminho é apenas um caminho e não constitui insulto algum - para si mesmo ou para os outros - abandoná-lo quando assim ordena o seu coração. (...) Olhe cada caminho com cuidado e atenção. Tente-o tantas vezes quantas julgar necessárias... Então, faça a si mesmo e apenas a si mesmo uma pergunta: possui esse caminho um coração? Em caso afirmativo, o caminho é bom. Caso contrário, esse caminho não possui importância alguma.
[Carlos Castañeda, The Teachings of Don Juan]



       Um dos maiores entraves para o homem da cultura ocidental moderna é achar que somente a lembrança pode salvar as relações humanas. Os gregos já sabiam que somente no âmbito do esquecimento se pode criar. A lembrança, a memória do que foi criado, é importante para a história, mas não resgata o homem de sua real vocação: constantemente, mesmo em meio às intempéries, ele tem de inovar-se e descobrir a novidade de todas as coisas. Essa cultura, que aprendeu a tudo ver, a tudo rememorar, a tudo objetivar, fenece e vira pó, mas não renasce como a Fênix se não reaprender a se deixar invadir pela emoção. A emoção cega a visão pretensiosa que tudo sabe do que viu. A emoção inebria a alma e a faz exalar o cheiro da criação, porque é autêntica e única; espontânea e original.
A esse instante, pleno de novidade e prenhe do absoluto, os gregos chamavam de Kairós[1]. Convém estabelecer duas importantes diferenças para se compreender melhor esse termo: Epifania x Hierofania. A Epifania, no sentido atual, adquiriu conotações que não revelam seu sentido original. Vai-se optar pelo sentido original nessas efêmeras considerações. Fundamentalmente, Epifania significa revelação do absoluto, do inominável, do inefável, enquanto que Hierofania significa representação do sagrado por via do disfarce, de um viés, de um oráculo, de um profeta. Tem-se dois grandes exemplos de Epifania. Um na mitologia religiosa judaica e outro na mitologia grega. Na judaica, uma das únicas Epifanias acontece quando Moisés vai ao Monte Sinai e Yahvé aparece sob a forma de uma sarça ardente e lhe diz seu nome inominável e lhe entrega as tábuas da lei que norteará a Ética, a Religião e a Política judaicas para conduzir o povo hebreu à terra prometida. Vê-se aí uma das manifestações do absoluto. A mais próxima que o homem pode suportar. Mesmo assim, resta a totalidade do absoluto, porque nenhum homem, em vida, teria condições de ver a face de Deus.
Na mitologia grega, praticamente não há Epifania. A aparição do absoluto, representado por Zeus, aproximar-se-ia mais de uma Hierofania, porque não se pode reconhecer nenhuma divindade de pura transcendentalidade como se encontra no judaísmo. Exemplo disso, no mito de Dioniso, a pedido de sua amante, a princesa Sêmele, Zeus aparece sob a forma de trovões e relâmpagos, destruindo tudo em sua volta, possibilitando que o palácio e a própria princesa entrem em combustão. Por conseguinte, Epifania seria a manifestação do sagrado da forma mais próxima de sua totalidade, enquanto que a Hierofania seria pela via intermediária, seja através do elementos da natureza ou através de iniciados em mistérios.
Aqui, a opção do significado da Epifania ou da Hierofania remete-se, por analogia, ao termo Kairós. O interesse é mostrar, não mais revelações mítico-religiosas, porém, a presença do sagrado pela via do tempo oportuno. Está-se, portanto, na esfera da aparição do absoluto pelos interstícios do tempo. A duração somente pertence ao reino da existência em que o homem e as coisas percorrem o caminho do discorrer. Onde cada tempo dura com o peso da existência. Não há eternidade. Falar do Kairós é entrar no mundo do esquecimento, como se viu acima. O Lógos grego aprisiona o Ser nas fronteiras da razão memorial. Sem memória, a razão não consegue ver o visto nem nomear algo. Ela precisa da memória, assim como o beduíno precisa do oásis para entender a imensidão do deserto. No entanto, o Kairós revela-se como meio de aparição das fagulhas do sagrado nas brechas do tempo. Com o Kairós o mistério reservado aos sumo-sacerdotes ou aos iniciados é democratizado. Com ele, cuja presença revela a ausência, não se tem a verdade do todo. Nem mesmo como antes, na filosofia, quando da proferição da palavra; muito menos com a instauração da a-lethéia (verdade desvelada, sem o véu que a encobre e a reduz ao plano do simbólico), a verdade contida no conceito ou na idéia. O Kairós, pela via da Filosofia, torna possível que todo e qualquer mortal perceba a presença do sagrado. Nota-se que, perante esse contexto, está-se na esfera da Estética da Existência, mais do que na Ética do Agir, que pressupõe a memória do Ethos. Logo, fica reservada aos artistas e místicos a percepção dessa revelação, porque eles aprenderam a esvaziar-se da memória e deixar-se contaminar pelo esquecimento. É aí que se dá a novidade. Ora, se se está na esfera contrária, a razão que quer ver o visto e apontar para o singular, o recurso para essa percepção não é a racionalidade, mas a emoção.
Somente a emoção é suficientemente forte para cegar a razão que tudo vê. Porque o ato da criação não tem memória, se tivesse não geraria a novidade. Novidade essa que, no mundo atual, torna-se absurda porque o incompreensível da existência se habituou a procurá-la na razão totalizante que aponta somente para o que está além de. Para se fazer valer de um magistral exemplo dessa presença do absoluto, encontra-se abaixo uma citação de Albert Camus em sua obra o Mito de Sísifo:
O absurdo nasce da confrontação entre os anseios humanos e o silêncio iníquo do mundo. É isso que não se pode esquecer. É disso que é necessário enganchar-se porque toda a conseqüência de uma vida pode brotar disso. A irracionalidade, a nostalgia humana e o absurdo que surge de seu confronto são portanto os três personagens do drama que deve necessariamente acabar com toda a lógica de onde uma existência é possível[2].
(CAMUS, 1998: 46-47)
Camus pretende identificar a absurdidade da existência na esfera do cotidiano. Diferente da lógica moderna, puramente racionalista, esse Pied-Noir[3] vai buscar explicação do inexplicável no que é visto como absurdo, sem sentido algum e sem verdade aparente. Assinala ele para falar do reconhecimento desse absoluto ou como termo sinonímico sobre o sagrado:
A partir do momento em que ela é reconhecida, a absurdidade é uma paixão, a mais dilacerante de todas[4].
[CAMUS, 1998: 40]
Todavia, para Camus, o problema da absurdidade da indiferença não se encontra apenas como um paradoxo ético. Mescla-se com o problema humano de insatisfação de sua própria existência numa forma de Hýbris, ou seja, numa atitude de desmedida diante do Cosmo. Essa inveja do absoluto é genialmente mostrada em sua grande obra dramática de teatro, Calígula, de 1944. O protagonista, baseado na figura histórica de um dos imperadores romanos, crê que pode tudo, acha-se onipotente, mas angustia-se quando se dá conta de que não pode possuir a lua. Além do seu desejo pela diferença sem inter-relação, almeja viver na verdade, porque percebe que tudo ao seu redor é mentira.
Camus faz aparecer sub-repticiamente o problema da alteridade como uma falta do Kairós que se esconde nos meandros do absurdo do cotidiano. Quando Calígula almeja a lua ou quando afirma que tudo em volta dele é mentira, seu desejo é transcendental porque se assemelha a Deus como ser onipotente. Mas Camus pretende mostrar a presença desse ser sem, contudo afirmá-Lo como absoluto ou como Deus. Assim define Camus Deus, talvez uma das definições mais puras e sacras:
(...) sua grandeza é sua inconseqüência. A prova de sua existência é sua inumanidade[5].
[CAMUS, 1998: 55]
O encontro com essa esfera do sagrado pode ocorrer no simples fato de se dobrar uma esquina. Aqui toma-se o termo sagrado em continuidade às considerações acerca do Kairós para melhor compreensão.
Numa de suas digressões, Camus consolida o absurdo ao fazer uma comparação com o mito de Orfeu. Leia-se:
Viver é fazer viver o absurdo. Fazer viver é antes de tudo olhá-lo. Ao contrário de Eurídice, o absurdo não morre quando a gente olha para trás[6].
[CAMUS, 1998: 78]
Esse olhar para trás é o oposto de olhar para frente. Para frente seria o homem se deixar conduzir pela esperança de uma existência sem novidade. Para ele, a novidade está, como viu-se acima, na esfera do cotidiano, o que se assemelha com a tentativa de definição do Kairós. Seja utilizando o termo sagrado para falar de uma presença inovadora, ou do absurdo. O que está em questão como presença é a noção de alteridade do mundo percebido somente pelo homem que aprendeu a amar com o coração.
A fim de demonstrar a forma de aparição, ou melhor, de manifestação do sagrado, resta poder-se considerar o momento em que isso se dá. Como foi afirmado acima, através dos interstícios do tempo. O Kairós seria a saída da fagulha de um todo para a percepção de uma parte. Ou seja, aquele homem que está aberto para a percepção da manifestação do sagrado seria o homem que, enquanto parte do Cosmo, percebe num instante fugidio o clarão de uma totalidade que aqui se está chamando de sagrado. Resta a ele traduzir o que viu daquele instante efêmero como o relâmpago, desconcertante como o raio do sol. Escrever um poema, talvez; pintar um quadro onde possa aparecer o aprisionamento desse instante; realizar um sonho sonhado. Isso seria o Kairós.
Como regozijo da leitura de um poema em que mostra os grilhões que prendem o sagrado, segue o poema de Konstantinos KAVÁFIS[7]: o Deus que abandona Antonio[8]:

Quando, à meia-noite, de súbito escutares
um tiaso[9] invisível a passar
com músicas esplêndidas, com vozes –
a tua Fortuna que se rende, as tuas obras
que malograram, os planos de tua vida
que se mostraram mentirosos, não o chores em vão
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
diz adeus à Alexandria que de ti se afasta.
E sobretudo não te iludas, alegando
que tudo foi um sonho, que teu ouvido te enganou.
Como se pronto há muito tempo, corajoso,
como cumpre a quem mereceu uma cidade assim,
acerca-te com firmeza da janela
e ouve com emoção, mas ouve sem
as lamentações ou as súplicas dos fracos,
num derradeiro prazer, os sons que passam,
os raros instrumentos do místico tiaso,
e diz adeus à Alexandria que ora perdes.

Ter-se-ia inúmeros exemplos ao longo de toda a história da literatura universal. Ter-se-ia uma infinidade de quadros pintados. Ter-se-ia uma enorme quantidade de esculturas. Ter-se-ia uma infindável soma de peças teatrais onde atores e atrizes representaram o estupor do mistério do sagrado. Ter-se-ia uma inenarrável soma de partituras de músicas que conseguiram e conseguem, a qualquer instante, reificar o sagrado. Isso mostra que não se é órfão do mistério do sagrado. Ele, pelo caminho do Kairós, pode, desde e sempre, revelar-se sem se esgotar. Isso faz lembrar Dioniso quando evocava a presença de divindades ao som de músicas, cantos e danças. Acreditava ele que, ao se fazer apelo às divindades, fora do âmbito de Phebo (Apolo), poder-se-ia ouvir o que eles tinham a dizer. Diferente do estado apolínio, Dioniso apresenta o estado de “Êxtase e Entusiasmo” que poderiam trazer, para próximo da humanidade, a fonte inesgotável do mistério do sagrado.

Só se vê bem com o coração. O essencial é invisível aos olhos
(Antoine de Saint-Exupéry, O Pequeno Príncipe. Diálogo com a raposa)

Mas não se pode ‘concluir’ uma descrição, por menor que seja sobre o Kairós, sem expressar um pouco do ideal grego de Belo (Kállos)[10]. Não se furtou do direito de transcrever abaixo um trecho de Memórias de Adriano, escrito pela inesquecível Marguerite Yourcenar:
Se nada disse ainda sobre beleza tão definitiva, não se deve ver nessa omissão a espécie de reticência do homem irremediavelmente conquistado. É que as fisionomias que procuramos desesperadamente costumam escapar-nos: existem apenas por um momento... Revejo uma cabeça inclinada sob a cabeleireira noturna, olhos que o prolongamento das pálpebras fazem parecer oblíquos, um rosto jovem e amplo. O corpo delicado modificava-se sem cessar, tal uma planta. Algumas dessas alterações atribuem-se à passagem do tempo. O menino transformou-se; cresceu. Uma semana de indolência bastava para amolecê-lo; uma tarde de caça restituía-lhe a firmeza e a agilidade atlética. Uma hora ao sol o fazia passar da cor do jasmim à do mel. As pernas um pouco pesadas de potro alongaram-se; a face perdeu o leve arredondado da infância, cavando-se ligeiramente sob as maçãs salientes. Dilatado pelo ar, o tórax do jovem corredor dos estádios ganhou as curvas suaves e macias de um colo de bacante. O trejeito amuado dos lábios revestiu-se de ardente amargura, de saciedade triste. Na verdade, o rosto mudava como se, noite e dia, eu o tivesse incansavelmente modelado. [YOURCENAR, 1980: 159]

Yourcenar, como um novo Kaváfis às avessas, traz o Belo para tão próximo que o modela na descrição da beleza do corpo de um Ephebo[11]. É como se pudesse querer, pela boca de Adriano, nos fazer perceber a beleza reificada na matéria de um corpo. Cada parte desse corpo é metaforizada em algo que o ultrapassa. Que o toca à distância como se fizesse amor com ele. Relembrando o Banquete de Platão, o amado não sabe da dimensão do amor do amante. Sua linguagem é apenas a do corpo que fala, mas que não sabe onde ele metaforiza. Veja-se um trecho dessa inigualável obra, quando Sócrates responde a Alcebíades sobre a diferença entre o amor do amante e do amado, e a identificação da beleza:
(...) Caro Alcebíades, é bem provável que realmente não sejas um vulgar, se chega a ser verdade o que dizes a meu respeito, e se há em mim algum poder pelo qual tu te poderias tornar melhor; sim, uma irresistível beleza verias em mim, e totalmente diferente da formosura que há em ti. Se então, ao contemplá-la,  tentas compartilhá-la comigo e trocar beleza por beleza, não é em pouco que pensas me levar vantagens, mas ao contrário, em lugar da aparência é a realidade do que é belo que tentas adquirir, e realmente é “ouro por cobre”[12] que pensa trocar. No entanto, ditoso amigo, examina melhor; não te passas despercebido que nada sou. Em verdade, a visão do pensamento começa a enxergar com agudeza quando a dos olhos tende a perder sua força; tu porém estás ainda longe disso. [PLATÃO: O Banquete]
Platão aqui, na boca de Sócrates, alude à noção de Belo como estando num mundo à parte, ao que ele denominou de Mundo das Idéias. Mundo esse que faz parte da esfera do inteligível, do invisível, das essências onde a alma (psiqué) relembra o que viu outrora, quando habitou essa realidade antes de se tornar prisioneira do corpo. Notadamente, não se está confirmando o Kairós tratado até então. Não há brecha nem interstícios na estética de Platão. O reconhecimento do Belo se faz pela subida do espírito em direção ao Ser puro, que faz aparecer à alma sua plenitude, onde o Belo é igualmente Bom.
A descrição que se efetuou aqui é identificada como uma Catábase do real. Ou seja, uma descida do sagrado que se revela mesmo que o homem esteja preso ao cotidiano da existência representado pelo corpo:
Pequena alma, alma terna e inconstante, companheira do meu corpo, de que foste hóspede, vais descer àqueles lugares pálidos, duros e nus, onde deverás renunciar aos jogos de outrora. Por um momento ainda contemplemos juntos os lugares familiares, os objetos que certamente nunca mais veremos... Esforcemo-nos por entrar na morte com os olhos abertos...
[YOURCENAR: Memórias de Adriano, 1980: 287]
Além do mais, o intuito deste ensaio foi igualmente o de revelar uma diferença entre a presença do sagrado como mistério inominável, e o sentido do mundo dado por si só. O reconhecimento da presença do mistério finca a alteridade. É o Outro absolutamente Outro que imprime a novidade da existência e marca a diferença no mundo. O homem, portanto, vivente desse mundo, aprende a soletrar nesses interstícios a presença de algo que se recusa a repetir o mesmo. Porque nunca se manifesta da mesma maneira. Sua marca de reconhecimento é sempre a da renovação.

Referências Bibliográficas:

·         CAMUS, Albert. Le mythe de Sisyphe. Essai sur l’absurde. Paris: Gallimard, 1998
·         CAMUS, Albert. O mito de sísifo: ensaio sobre o absurdo. Rio de Janeiro: Guanabara, 1989.
·         CAMUS, Albert. Calígula / O Equívoco. Tradução de Ersílio Cardoso. Lisboa : Edições Livros do Brasil, 197-.
·         KAVÁFIS, Konstantinos. Poemas. Tradução de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990.
·         PLATÃO. DIÁLOGOS. Mênon. Banquete. Fedro. Tradução Jorge Paleikat. Rio de Janeiro: Ediouro, 1996.
·         YOURCENAR, Marguerite. Memórias de Adriano. Tradução de Martha Calderaro. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.





[1] Do grego Kairós (Kairos) ocasião oportuna, oportunidade, época conveniente, tempo próprio. Verbete: William Varey TAYLOR. Dicionário do Novo Testamento Grego. Rio de Janeiro: JUERP, 1991.p.107
[2] No original: L‘absurde naît de cette confrontation entre l’appel humain et le silence déraisonnable du monde. C’est cela qu’il ne faut pas oublier. C’est à cela qu’il faut se cramponner parce que toute la conséquence d’une vie peut en naître. L’irrationnel, la nostalgie humaine et l’absurde qui surgit de leur tête-à-tête, voilà les trois personnages du drame qui doit nécessairement finir avec toute la logique dont une existence est capable.
[3] Expressão francesa para identificar os argelinos de origem francesa. Fig. pés-negros.
[4] No original: A partir du moment où elle est reconnue, l’absurdité est une passion, la plus déchirante de toutes.
[5] No original: Dieu: “sa grandeur, c’est son inconséquence. Sa preuve, c’est son inhumanité”.
[6] No original: Vivre, c’est faire vivre l’absurde. Le faire vivre, c’est avant tout le regarder. Au contraire d’Eurydice, l’absurde ne meurt que lorsqu’on s’en détourne.
[7] Poeta grego contemporâneo escreveu mais de duas centenas de poemas.
[8] Konstantinos KAVÁFIS. O Deus que abandona Antonio. In: poemas. Tradução de José Paulo Paes. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990, p.114.
[9] Segundo José Paulo Paes a palavra ‘tiaso’ designa um grupo de pessoas que passa pelas ruas cantando e dançando para celebrar um sacrifício em honra de algum deus. No caso, trata-se do deus cultuado por Antônio, Baco, deus do vinho, da vegetação e da fertilidade cujo cortejo teria abandonado Alexandria pouco antes da morte dele e de Cleópatra. Op. Cit. p. 182
[10] Kallós kai Kagáthos — em grego: Belo e Bom, expressão máxima do ideal estético e ético na Paidéia grega clássica.
[11] Jovem grego de 14 a 21 anos identificado no período que se denominou de Ephebia — Amor homoerótico entre oficiais do exército e jovens.
[12] Ilíada, VI, 236. Enganado por Zeus, Glauco troca suas armas de ouro pelas de bronze de Diomedes. (N. do T.)

Hamlet: a aurora do anti-herói moderno

HAMLET[1]: a aurora do anti-herói moderno[2]


Lourenço Leite,


“uma grande ação é imposta a uma alma que não está em condições de realizá-la”
 Goethe



A obra Hamlet de William Shakespeare[3] foi encenada pela primeira vez em 1601 e é considerada de tragédia de vingança. O autor em Hamlet utiliza-se de uma numerosa diversidade de literatura e de teatro, e as mistura, tais como: a tragédia grega, o drama burlesco, a farsa, a comédia, a magia. Nela, Shakespeare fez do teatro o espelho do universo e de cada um de seus grandes personagens, Hamlet, Macbeth, Ricardo III, Othelo, Lear, Ofélia, Desdêmona, etc. O arquétipo de uma atitude do homem diante do enigma do mundo ou diante  das paixões que  o devoram ou que o exaltam.
A grande predominância do espírito cristão na anterior cristandade européia fez da vida uma impossibilidade de se atingir seu fim que não fosse no além. A tragédia, portanto, nunca podia atingir seu termo na vida terrena, afirma Auerbach em O Príncipe Cansado[4].
Consoante ainda Auerbach[5], a tragédia elizabetana defronta-se, na maioria dos casos, não com o caráter puramente natural, mas com um caráter pré-formado pelo nascimento, pelas circunstâncias vitais, pela pré-história [isto é, pelo destino]; um caráter do qual o destino participa em grande medida, antes dele se cumprir na forma do conflito clássico determinado; este é amiúde tão-somente o motivo através do qual se atualiza uma tragédia preparada a muito.
FIM DO HERÓI E AURORA DO ANTI-HERÓI
“... uma grande ação é imposta a uma alma que não está em condições de realizá-la” afirma Goethe sobre Hamlet ou ainda: “um ser belo, puro, nobre, elevadamente moral, sem a força sensível que faz o herói, sucumbe sob uma carga que não pode carregar nem jogar longe de si...[6]. O herói não se consagra em Hamlet como o herói grego, trágico, pré-figurado que precisaria ser iniciado nos mistérios para tomar consciência de seu fado. Hamlet ao contrário, pré-figura em certo sentido o anti-herói: não sabe que está sendo usado pelo destino; sua vida sofre as dores do mundo, mas não tem meios de redenção. Sua morte, juntamente com as de outros, apenas formam a trama da história. Ele não passa de um fantoche nas mãos de Clio. Contudo, apesar de Hamlet não confirmar em seu personagem a Jornada do Herói, no sentido grego do termo, aponta-nos para uma construção de personagem com um eu estilhaçado e nos convida a perceber uma nova constituição de sujeito. Aquela do sujeito moderno, pré-renascentista onde se começam a eclodir a individualidade de dentro para fora. Individualidade essa que evoluirá em toda a renascença até o romantismo.
Em Hamlet o homem sucumbe aos apelos de sua própria subjetividade. De agora em diante o que importa não é mais as determinações históricas, nem a estrutura aristocrática que garante o poder e o reino, nem mesmo os arquétipos míticos e religiosos. Hamlet inaugura o sujeito moderno mesmo sendo interpelado pelo seu ethos ou solicitado pela sua ancestralidade na figura do espectro do pai que lhe aparece para reivindicar vingançaNem mesmo o amor de sua mãe ou o amor de Ofélia, sua amada e noiva, atendem e respondem aos seus apelos. O que lhe interessa confirmar é a si mesmo. Tudo o que está fora de si não passa de algo que se esvai com o próprio reino da Dinamarca.  O fora não tem força de representação no seu interior. Sua busca é a de um homem fragmentado que sente a dor da perda de si. Seu luto não é o luto da separação do seu pai nem a possível perda de Ofélia. Sua consternação corrói sua alma como se a morte fosse a única saída. Mas o nosso Hamlet anseia por algo mais: ele quer se aproximar de algo que nunca lhe fora apresentado nem permitido. Ele pretende negar o estabelecido em sua vida porque ele aponta somente para o sentido em si mesmo. O âmbito do encontro consigo mesmo coloca-o, igualmente, diante de uma realidade que está por fazer-se. Tudo, a partir dessa consciência trêmula e manca, ainda não se consumou. A realidade do porvir transcende sua própria noção de liberdade, porque o possível é deveras desconhecido. Não há o suporte do paradigma como encontramos na trajetória do herói; nem há o ancião que conduz o iniciado para dentro da floresta. Nãopórticos para atravessar nem esfinges para destruir. O que apenas se apresenta é o seu próprio desejo de se conhecer como alguém individualizado. Seu desejo será, portanto, a chave que poderá abrir as portas de sua interioridade. Desejo de conhecer o que aparentemente esteve fora dos muros do palácio. Talvez, mesmo fora da Dinamarca, mas que agora, como um sintoma descontínuo e fosco, dá sinais de grande proximidade. O seu eu, mesmo fragmentado, tenta, a duras penas, interpretar o não dito até então. Instala-se em Hamlet uma ironia sarcástica, uma retórica sofística que pretende desmontar todo e qualquer discurso que denote uma realidade hipócrita. Seu desejo é também aquele de provar o autêntico que pode existir atrás dos costumes da velha Dinamarca. Mas ele sabe que são infrutíferas suas tentativas, a realidade é monumentalmente mais forte que ele. Sua busca não o conduzirá a encontrar o seu significado existencial naquele contexto. Ele está fora, além de tudo o que o rodeia. Contudo, ao mesmo tempo, esse significado se revela nos interstícios da fala de seus interlocutores e nas tramas de conquista do seu tio, agora rei. Mostra-se também pelo viés do amor de Ofélia ou mesmo através das aventuras extramuros de Laertes. Sua sagacidade apreende essas fagulhas efêmeras de significado, mas sua alma, por estar em luto de si mesma, não consegue ver a totalidade.
Abrem-se diante do drama de Shakespeare o diálogo solipsista, estéril, difuso, mas profundamente indicador de um caminho que conduzirá o homem moderno. Interessante destacar que talvez o próprio Shakespeare não tenha tido a pretensão de contribuir para a construção da subjetividade do homem moderno. Verificam-se em sua contemporaneidade filosófica, encontramos Descartes que inaugura no pensamento filosófico essa compleição do eu no âmbito de uma subjetividade individualista e solipsista. Em Hamlet esse individualismo ainda está por fazer-se. Ele ainda não encontrou o ‘método’ cartesiano. Ele ainda permanece na dúvida hiperbólica. Seu eu ainda não se constituiu cartesianamente, porque suas paixões ainda são determinantes. O eu moderno cartesiano se constituirá pela tomada de consciência de si e do mundo em sua própria evidência dada pela razão. Hamlet permanece na obscuridade das paixões da alma que quer entender a realidade como se fosse redutível a ele. Não há nele a compreensão da alteridade do mundo suficiente para colocá-lo em estado de julgamento autêntico e de percepção da distinção. Tudo em sua volta ainda é algo que se confunde com o todo. A totalidade da existência não pode se fazer compreender porque sua visão de mundo é ainda intuitiva, logo, puramente simbólica. Mas é nesse drama extraordinário de Shakespeare que a visão existencial do indivíduo é mostrada como possibilidade. Em Hamlet, o ‘télos’[7] abre-se para o mundo além da Dinamarca. O seu fim escatológico como sentido último transcende seu próprio ethos. Seu questionamento da existência o coloca mesmo além de seu grande amigo Horácio. Portanto, seu discurso não se coaduna a ação. Dizer e agir são formas dicotomizadas e irreconciliáveis.
Embora a problemática existencial que verificamos em Hamlet abra um caminho além do seu próprio mundo, sua compleição arquetípica não se confunde em nenhum momento com o herói tradicional. Nosso personagem é antes de qualquer coisa alguém que não sabe para onde ir nem o que é. Sua reflexão sobre Ser ou Não Ser, como questão ontológica, nega toda a tradição escolástica filosófica assim como a medieval. Ser ou Não Ser eis verdadeiramente a questão. Ele está plantado diante da incerteza e da dúvida.
Antevemos aqui a aurora do anti-herói moderno como alguém que pretende se fazer à medida que seu eu se remonte. Em Hamlet o eu do sujeito está despedaçado como os personagens míticos gregos Orfeu e Dioniso. O ‘diasparagmós’[8] não foi completado com a reunião de suas partes. Resta ainda que o seu eu se reconstitua como sujeito próprio para haver a verdadeira reconciliação consigo e com o mundo. Seu pai poderia ser vingado em sua consciência, mas não de fato. É o novo paradigma da reconciliação da consciência moderna que se mostra em Hamlet. Assim como Sócrates o fez na Paidéia grega, poderá haver reconciliação no ‘lógos’, ou seja, na consciência de si.
O sujeito moderno entra, a partir dessa óptica, a ver a si mesmo por meio do que se instaura na consciência. A verdade terá que ser objetivada no sujeito que a percebe. Temos o grande momento epistemológico do saber moderno: pensar o ser de alguma coisa é pensá-lo no eu do sujeito que pode conhecer algo.
A realidade cultural dinamarquesa não importa mais. Hamlet é o nosso anti-herói moderno, contemporâneo, e talvez pós-moderno. Seu eu está em frangalhos e necessita de um ponto de partida. Precisa, assim como os personagens míticos gregos, efetuarem uma ‘anábase’[9]. Hamlet representa uma profunda ‘catábase’[10] aos estágios de sua própria consciência. Ele não tem controle de sua situação existencial nem de sua história. Tratado como anti-herói, representa a racionalização negativa, ou seja, não pretende seguir nenhum protótipo de realidade. Ele não pretende retornar à Dinamarca nem ao seu aconchego materno. Sua busca vai além de tudo isso: pretende encontrar respostas que não estão na realidade diante dele. A transcendência o provoca assim como todas as artimanhas de Cláudio, o rei da Dinamarca. Seu encontro com a verdade poderá ocorrer fora de todo o contexto de sua cultura. Seu eu urge a reconciliação, porém, sua alma, impossibilitada de confirmar seu entendimento, continua vulnerável e órfã. Não será nele que ocorrerá a redenção da Dinamarca, entenda-se a da morte de seu pai, as das tramas de seu tio, as das pretensões de Polônio. A redenção poderá ser iniciada por Fortimbrás, o verdadeiro herói, rei da Noruega que conquista e se apossa da velha Dinamarca. No entanto, o próprio Fortimbrás não tem consciência da verdadeira decadência da Dinamarca. Ele apenas representa alguém que tem o poder da conquista, mas não tem o poder da compreensão. Se Shakespeare não acrescentasse o personagem Horácio para retratar toda a história, sua conquista seria imemorial. Ou seja, a memória se inicia pelo terceiro elemento, o outrem. Aquele que e antevê a realidade. As próprias efetivações de Hamlet, mesmo com sua morte, não são suficientes para compor o enredo da história que a Dinamarca iniciara.
Nosso anti-herói pretende ser a revelação da própria contradição que existe na Dinamarca. Somente com sua morte isso poderia ocorrer. Se em vida isso ocorresse, ele se tornaria um herói canônico. Sua morte também representa que o sentido da existência não está no mundo, mas fora dele. Sua morte representa que a grandeza da existência é superior aos artefatos humanos. Sua morte representa, como toda morte, o escândalo da totalização da razão que pretende sempre abarcar e reduzir o outro ao semelhante, ou seja, ao mesmo.
Hamlet quer ser primordialmente o outro enquanto outro. Sua alteridade é superior a toda e qualquer ordem estabelecida. Sua indiferença diante de todas as posses e propriedades constrange a todos. Ele pretende-se ser aquilo que ainda não é, ou seja, ser alguém que poderia construir sua própria história independente das determinações morais.
Hamlet é a marca cabal da liberdade da existência que se instaurará na modernidade. Kierkegaard é quem iniciará a construção dessa fisionomia do homem em desespero diante de si mesmo. Mas vale ressaltar que Goethe, no seu Fausto, apresenta-nos inúmeras características dessa falta de transcendência. O descontentamento de Fausto diante de sua existência é algo tão monumental, que depois dele não podemos mais pensar a solidão do ser outro como mera excentricidade. A questão está posta e não pode mais ser rejeitada. Creio que Hamlet de Shakespeare inicia esse questionamento de maneira magistral. O limite da existência não é mais a própria vida plantada no ethos. A vida humana está condenada a transcender a si mesma.
Em sendo assim, em Hamlet o diálogo consigo próprio é o diálogo que indica as fronteiras da existência. Vale lembrar quando ele nos jardins do cemitério diante dos coveiros e de seu amigo Horácio se depara com o crânio do seu amigo Yorick que fora o bobo da corte:
[pega a caveira] Que lástima, pobre Yorick! Eu o conheci, Horácio; era um tipo de infinita graça e da mais extraordinária fantasia; carregou-me na suas costas mais de mil vezes; e agora como é horrível imaginar essas coisas! Aperta-me a garganta ao pensar nisso. Aqui ficavam os lábios que eu beijei nem sei quantas vezes. Onde estão agora os teus gracejos? As tuas cabriolas? As tuas canções? Teus lampejos de espírito que eram capazes de fazer gargalhar todos os convivas? Nenhum mais agora, para zombar dos teus esgares? Caiu-te o queixo? Vai agora aos aposentos de minha dama e diz-lhe que, por mais grossas camadas de pintura que ela ponha sobre a face, terá de chegar a isto: vai fazê-la rir com essa idéia...
Para Hamlet a caveira de Yorick é o protótipo da falta de transcendência. Contudo, a memória da existência o recoloca no limiar dessa própria transcendência. Nosso pequeno grande homem, apesar de não ter os atributos do herói, evoca de sua consciência a memória do que se foi, mas que se torna vivo presentificado e talvez redimível. Seu amigo que tantas vezes o divertiu agora não é mais, mas que pode ser ali, por inteiro, pela via da rememoração. Hamlet trava uma luta constante entre a memória do seu passado e a lucidez do seu presente. Ele sofre com a dor da ausência, mas ao mesmo tempo instala-se como meio de poder se encontrar, de poder apascentar sua alma. Seu desafio é poder esquecer tudo para encontrar o caminho da criação. Yorick é agora o felizardo porque pertence ao reino do esquecimento e que se presentifica na memória daqueles que o amavam. Hamlet quer ser esquecido por inteiro. Se pudesse pedir a Deus para aniquilar sua existência, ele o faria. Seu niilismo é cruel, mas o é somente consigo próprio. Ele crê que esse aniquilamento seria a melhor saída para que o encontro com si próprio pudesse chegar a termo. Nada mais importa a não ser encontrar os meios de recolher e juntar os cacos de seu estilhaçado eu. Shakespeare apresenta-nos por inteiro a verdade da decomposição do sujeito moderno. Débil e inerte, vulnerável e estéril, Hamlet não possui forças para poder se libertar das amarras do seu fado. Entretanto, mesmo em meio a essa debilidade, consegue construir um discurso pleno de significados, mas percebidos pelos seus interlocutores como absurdo e paradoxal. O sentido do seu discurso está além de sua imediata compreensão. Shakespeare cria um metadiscurso na fala do seu protagonista. Porém, mesmo para Hamlet seu discurso é cheio de metáforas, porque somente por essa via ele pode pretender que seus ouvintes alcancem a verdade.   Talvez vislumbremos sua reconciliação. Talvez tenha sido esse o caminho que o homem moderno encontrou para reconciliar-se com si e com sua realidade.
Mas Hamlet, assim como Moisés, não usufruirá a terra prometida. A Dinamarca fará parte do reino da cosmopolitização pelas mãos de Fortimbrás. Esse reino do Universal que Hamlet tentou, sem sucesso, encontrar. Mas como afirmou Goethe, sua alma não tivera condições de realizar a grande tarefa que lhe fora imposta. Seu fardo, mesmo que pesado, não poderia ser deixado ao largo nem no caminho.
Mas, muito embora nosso Hamlet de Shakespeare seja alguém desprovido de virtudes heróicas, ele consegue, mesmo em sua existência vivida sob a égide da conspiração, fincar a marca da diferença. Diferença essa que a era moderna exaltará sob todos os meios de representação e que se tornou na Renascença o ponto de chegada de todos aqueles que queriam se desvencilhar da era da semelhança legada pela Cristandade medieval. Por conseguinte, o homem moderno não se assemelha mais ao seu criador. Ele quer ser criador de si mesmo. Por isso, a instauração do sujeito em Hamlet pelas mãos de Shakespeare é o prenúncio cartesiano do eu que precisa duvidar de tudo, inclusive de sua própria existência.
Salvador, 15 de novembro de 1998.



Bibliografia consultada:

*      AUERBACH, Erich. O Príncipe Cansado. In: Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 1998
*      BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. Petrópolis: Vozes
*      FERGUSSON, Francis. Hamlet, Príncipe da Dinamarca: A Analogia da Ação. In: Evolução e Sentido do Teatro. Rio de Janeiro: Zahar, 1964.
*      PETIT ROBERT. Dictionnaire Universel de Noms Propres. Paris: Le Robert
*      SHAKESPEARE, William. Hamlet. In: Hamlet e Macbeth. Tradução de Anna Amélia Carneiro de Mendonça. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1995.





[1] Drama em cinco atos de William Shakespeare. Uma narrativa do historiador Saxo Grammaticus[1] (séc. XIII) forneceu a Shakespeare o sujeito de seu drama, o mais célebre de seu teatro. Apareceu sobre as muralhas do castelo d’Elseneur, na Dinamarca, o espectro do rei relata à Hamlet, seu filho, que ele pereceu assassinado por Claudius, seu irmão, em comum acordo com a rainha. Preparando sua vingança, Hamlet vai simular a loucura, abandonando sua noiva Ofélia que perde a razão e se afoga. No duelo em que se opõe a Laertes, irmão de Ofélia, Hamlet é ferido por uma espada envenenada. Antes de morrer, ele mata Cláudio o usurpador, ao passo que Gertrude, sua mãe, perece envenenada pelo drinque que ele havia preparado para ela. Em um mundo onde a ciência tomou o poder da natureza, um poder que a religião atribuía até então à divindade, toda noção de fatalidade doravante é abolida, Hamlet é o drama de acesso à consciência  e à liberdade. Entre as traduções e adaptações, cita-se aquelas de Ducis [1769], Alexandre Dumas e Paul Meurice [1848], Eugène Morand e Marcel Schwod [1899], André Gide [1946], Marcel Pagnol [1950] assim como o filme de Laurence Olivier [1948] e a atual versão inglesa feita por Kennet Branagh de [1998]. Fonte: Petit Robert, Paris: Le Robert.
[2] Publicado pela Revista Ideação do Núcleo Interdisciplinar de Estudos e Pesquisas em Filosofia da Universidade Estadual de Feira de Santana. V. 1 nº 6. 1997 – ISSN 1415-4668.
[3]  William Shakespeare - Dramaturgo e poeta inglês (1564-1616). É considerado o maior dramaturgo da história do Teatro. Nasce em Stratford-upon-Avon, perto de Londres, cidade para onde se muda em 1591. Entre 1590 e 1594, escreve sua primeira peça, A Comédia dos Erros. Dono de uma técnica extremamente pessoal, sua obra  marca o teatro elisabetano da época e influencia toda a produção teatral posterior. Em suas peças, demonstra uma profunda visão do mundo e da complexidade da alma humana. Retrata o comportamento humano em tragédias, comédias e dramas históricos, como Henrique V. Entre as tragédias mais importantes estão Romeu e Julieta, Macbeth, Hamlet, Rei Lear  e Otelo. As comédias mais encenadas incluem O Mercador de Veneza, A Megera Domada e Sonhos de Uma Noite de Verão. Muitas de suas peças são adaptadas para o cinema. Em 1609, publica uma série de sonetos, dedicados a um rapaz e a uma senhora não-identificados. Escreve sua última peça, A Tempestade, em 1613. Fonte: Almanaque Abril 1997
[4] Auerbach, Erich. O Príncipe Cansado. In: Mimesis. São Paulo: Perspectiva, 1998, p. 284
[5] Op. Cit. pp. 284-285
[6] Goethe em Wilhelm Meisters Lehrjahre – livro IV, cap. 3 e 13
[7] Em grego, fim, termo, finalidade da existência. Fig. Fim escatológico.
[8] Arte do despedaçamento, desmembramento.
[9] Subida do Hades; ascensão às realidades superiores da consciência; Fig.: tomada de consciência
[10] Descida ao Hades; aos infernos; descida aos estágios inferiores da natureza humana.