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domingo, 1 de abril de 2018

Páscoa e a Redenção dos Invisíveis




          A invisibilidade de Jesus Cristo na noite do Getsêmani perante Deus Pai fora uma das mais aterrorizantes e desesperadoras horas vividas por Ele. Fora o momento crucial para que Ele se tornasse homem. Ele experimentou na carne a desolação, o abandono e ausência do Absoluto. Deus se fizera presente em seu silêncio ensurdecedor e sem precedentes. Nem na saída do povo hebreu do Egito conduzido por Moisés essa demonstração ocorrera; nem tampouco com Abraão quando aceitara imolar seu filho Isaac; mas para o filho amado Ele tivera que se tornar ausente. A melancolia vivida pelo Cristo se tornara o vazio mais profundo do seu Ser. Ele pensara em não poder mais experimentar a presença plena de Deus.
A redenção de Cristo não tivera sentido se Nele não se manifestasse a dor da ausência, da rejeição, da solidão e da indiferença, a maior e mais estonteante experiência humana de exclusão que a moral humana consegue atingir, mas não a Ética. Nzambi/Olorum fora antiético!!!??? Assim como bem afirmara Albert Camus: “Sua grandeza é sua inconseqüência. Sua prova é sua inumanidade”. Igualmente para seu Filho não devera revelar-Se como presença. Mais adiante, quando de sua crucificação no Gólgota, escuta do bom ladrão: Eloi, Eloi, lamá sabactani’, ‘Meu Deus, por que me desamparaste?’. Sem o aparente abandono de Deus a redenção não tem sentido. Todo iniciado em algum momento da jornada iniciática sente a falta de fé e da experiência do abandono.
Redimir é refazer a ponte fragmentada entre a aldeia e a cidade; entre a parte e o Todo. Jesus Cristo se não tivera a experiência do exílio da dor da ausência não pudera com sua crucificação ter redimido toda a humanidade representada por todos aqueles que contribuíram com a reconstrução da ponte. Haja vista que esse sempre foi e será a função do herói. De Ulisses à Marielle Franco a heroicidade auxilia que todos igualmente possam chegar à Ítaca passando pela ponte.
Assim ocorrera recentemente com os heróis invisíveis de nosso país elencados a seguir por Fernando Horta:
Paulo Sérgio Almeida Nascimento 13/03/2018 – líder comunitário no Pará – assassinado; Márcio Oliveira Matos, 26/01/2018 – líder do MST na Bahia – assassinado; Leandro altenir Ribeiro Ribas, 19/01/2018 – Líder Comunitário no RS – assassinado; Jefferson Marcelo, 04/01/2018, Líder comunitário no RJ – assassinado; Carlos Antonio dos Santos (carlão), 08/02/2018 – líder movimento agrário Mato Grosso – assassinado; José Raimundo da Mota de Souza Júnior 13/07/2017 – líder quilombola/MST bahia – assassinado; Eraldo Lima Costa e Silva, 20/06/2017 – líder MST Recife – assassinado; George de Andrade Lima Rodrigues, 23/02/2018 – líder comunitário Recife – assassinado; Luís César Santiago da Silva (“cabeça do povo”), 15/04/2017 – líder sindical Ceará – assassinado; José Bernardo da Silva, 27/04/2016 – líder do MST Pernambuco – Assassinado; Paulo Sérgio Santos, 08/07/2014 – líder quilombola na Bahia – Assassinado; Rosenildo Pereira de Almeida (Negão), 08/07/2017 – líder comunitário/MST – Assassinado; Jair Cleber dos Santos, 24/09/2017 – líder movimento agrário Pará – Assassinado; Simeão Vilhalva Cristiano Navarro, 01/09/2015 – líder indígena Mato Grosso – Assassinado; Fabio Gabriel Pacifico dos Santos (binho dos palmares), 19/09/2017 – líder quilombola Bahia – Assassinado; Valdenir Juventino Izidoro, (lobo), 04/06/2017 – líder camponês Rondônia – Assassinado; Almir Silva dos Santos, 08/07/2016 – líder comunitário no Maranhão – assassinado; José Conceição Pereira, 14/04/2016 – Líder comunitário Maranhão – Assassinado; Waldomiro costa Pereira, 20/03/2017 – Líder MST Pará – Assassinado; Valdemir Resplandes, 09/01/2018 – líder MST Pará – Assassinado; Clodoaldo dos Santos, 15/12/2017 – líder sindicalista sindipetro RJ – assassinado; João Natalício Xukuru-Kariri, 19/10/2016 – líder indígena Alagoas – Assassinado; Edmilson Alves da Silva, 16/02/2016 – Líder comunitário alagoas – Assassinado; Agora foi a vereadora Marielle Franco. Assassinada.
Comer o cordeiro da Páscoa, como fizera os hebreus antes de partirem em direção à Terra Prometida é celebrar a libertação de um povo que houvera sido escravizado.
Nosso país – Brasil está ainda sob o jugo da elite dominante e nosso povo bem como nossos heróis sendo levados ao matadouro como ovelhas para serem imoladas. Continuar-se-ão as mortes e os assassinatos, mesmo que um desses heróis seja ex-presidente; vereadora; líderes indígenas; líderes comunitários; líderes quilombola e professores. Contudo, uma coisa se lhes escapa no âmbito da mística histórica: essas ovelhas imoladas são representativas do cordeiro de Deus que se fez homem e habitou entre nós.
Os invisíveis de nosso Tempo comemoram a Páscoa sozinhos, na experiência melancólica do que fora Absoluto em um dado momento. São vistos apenas no encontro do Face-a-Face do deserto em que não há chocolates nem coelhinhos. Nem mesa farta de um banquete extramundano onde o Outro absolutamente Outro não tem lugar na mesa porque está sujo, Imundo (sem mundo), doente, exilado, sem voz à espera que um de nós se pronuncie em sua defesa. Camus, ao receber o prêmio Nobel de Literatura em 1957, discursara: é preciso que sejamos o porta voz da humanidade sem voz.
Meus sinceros votos de Páscoa são para que haja mais pessoas que possam celebrá-la junto com os Invisíveis.
Ilha de Itaparica, Páscoa de 2018
Meursault Babalaxé