Prof. Lourenço Leite - UFBA
Ao se
A Melancolia , como termo etimológico , advém do grego
clássico melagkolía, formado por melas, que
quer dizer negro mais chole, que
por sua
vez quer
indicar bile . Seja
Hipócrates, seja Aristóteles, ambos
definem a melancolia como
sendo um tipo
de temperamento causado pela bile negra que
intoxica a corrente sanguínea
e leva o indivíduo
a se sentir de mau
humor , taciturno ,
mórbido e, amiúde ,
com enxaqueca .
Contudo , para
Aristóteles, em seu
suposto Problema
XXX, considera que esse
estado de espírito
é o único verdadeiramente que pode levar o filósofo
ao ato de criação .
Não por
acaso que
Prometeu quando fora
condenado por Zeus, tivera seu fígado
picado pela águia
do Olimpo , justamente
o órgão responsável
pelo humor e que produz a bile . Visto desse modo ,
se de um lado
se escolhe a causa da melancolia
na tradição órfica e de outro na herança
prometéica, têm-se, igualmente , uma experiência primordial
da transcendência que ,
ao se distanciar dela, o homem
sente-se abandonado e posto em um total vazio de sentido . Ter acesso ao conhecimento
gera um quinhão muito
elevado a se pagar ,
ou seja, a condenação
divina é viver
no Rés-do-chão , como
afirmara Aristóteles. O filósofo, portanto ,
é aquele que
vive sem saber
por que vive, vive apenas na experiência do esvaziamento.
Ao que
concerne aos Medievais , a Melancolia
era vista
como um
pecado porque
revelava que o homem
haveria se distanciado de Deus, isto é, a Acedia.
Cioran acentua esse tédio da seguinte forma: Esta estagnação dos órgãos, este
embotamento das faculdades, este sorriso petrificado, não te recordam muitas
vezes o tédio dos claustros, os corações desertos de Deus, a secura e a idiotia
dos monges execrando-se no arrebatamento extático da masturbação? És apenas um
monge sem hipóteses divinas e sem o orgulho do vício solitário.[1]
A descida
aos infernos da existência
faz lembrar a trajetória
de Rimbaud em um
de seus versos
Noite do Inferno :
[...]
se a danação é eterna ?
Um homem
que quer
se mutilar deve estar
condenado, não é mesmo ?
Eu creio que
estou no inferno , logo ,
estou mesmo . Eu
sou escravo de meu
batismo . Familiares ,
vos fizerdes minha
desgraça e, com
isso , a de vocês .
Pobre inocente !
O inferno não
pode atacar os pagãos .
É a vida ainda !
Mais tarde ,
as delicias da danação serão mais
profundas. Um crime ,
rápido , faz-me cair
no vazio ao lado
da lei humana .
[...] Ah! Retomar a vida !
Dirigir os olhos
sobre as deformidades .
E este veneno ,
este beijo
mil vezes
maldito ! Minha
fraqueza , a crueldade
do mundo ! Meu
Deus , piedade ,
esconda-me, eu me
sinto muito mal !
— estou e não estou escondido. É o fogo que se
reveza com sua
condenação .
O melancólico também
não consegue sublimar
do ponto de vista
freudiano , ou
seja, criar linguagem
para aquilo que não há linguagem . Ele quer criar do nada , no esquecimento
total de sua
vida pregressa .
Sua inspiração
assemelha-se a de Orfeu depois de ter perdido sua
Eurídice. No entanto , do ponto
de vista hermenêutico ,
sua amada
não existe, ela
fora a presença
inconciliável com
o real evocada pelo
toque de sua lira de nove cordas . Sua ausência deixara o maior
dos vazios , levara junto
sua psiqué
(eu , no sentido
moderno ). Seu
apelo aos deuses
pelo retorno
de Eurídice poderia caber
todo o Hades e ainda
incluiria o Tártaro . A saudade do absoluto só poderia ser preenchida pelo retorno do verdadeiro real
de sua experiência
primeva . Porém ,
o real não
se reapresenta, sua revelação
é única e irremeável.
A Melancolia
foi igualmente identificada em inúmeros heróis
da mitologia grega ,
assim como
em figuras
da literatura universal . Em heróis , cuja jornada
iniciática previra um distanciamento de suas
origens , tais
como Ulisses da Odisséia
de Homero, a melancolia o perseguira em grandes momentos e fizera de sua
vida uma amarga
experiência de ausência .
A Ítaca de Ulisses não seria mais um lugar a se retornar . Ítaca era seu próprio conluio com o absoluto que necessitaria ser visto e vivido
no tempo oportuno
do Kairós, contudo , longe
de casa . A saudade
de casa era
superior ao seu
reencontro com
Penélope. Haja vista que sua amada esposa
cedera seu lugar
de esposa para
dar lugar as
Moîras e a Crono. Sua tessitura cotidiana
permitira ao velho Ulisses completar sua jornada , fora isso , sua iniciação estaria comprometida.
Abrem-se diante
do drama de Shakespeare o diálogo solipsista, estéril ,
difuso , mas
profundamente indicador
de um caminho
que conduzirá o homem
moderno . Interessante destacar
que talvez
o próprio Shakespeare não
tenha tido a pretensão de contribuir
para a construção da
subjetividade do homem moderno . Se se verificar em sua
contemporaneidade filosófica, encontrar-se-á Descartes
que inaugura no pensamento
filosófico essa compleição do eu no âmbito de
uma subjetividade individualista e
solipsista. Em Hamlet esse individualismo
ainda está por
fazer-se. Ele ainda
não encontrou o ‘método ’
cartesiano. Ele ainda
permanece na dúvida hiperbólica. Seu eu ainda não se
constituiu cartesianamente, porque suas paixões ainda são determinantes . O eu
moderno cartesiano se constituirá pela tomada de consciência de si
e do mundo em
sua própria
evidência dada
pela razão .
Hamlet permanece na obscuridade das paixões da alma
que quer
entender a realidade como se fosse redutível a ele .
Não há nele a compreensão
da alteridade do mundo
suficiente para
colocá-lo em estado
de julgamento autêntico
e de percepção da distinção .
Tudo em
sua volta
ainda é algo
que se confunde com
o todo . A totalidade
da existência não
pode fazer-se compreender
porque sua
visão de mundo
é ainda intuitiva, logo ,
puramente simbólica. Mas é nesse drama
extraordinário de Shakespeare que a visão
existencial do indivíduo é mostrada como possibilidade. Possibilidade essa que , apesar de estar recheada de ausências
absolutas e transcendentais , mostra uma perspectiva
de um fazer-se humano
como nunca
fora mostrado. Hamlet é a marca cabal da liberdade da existência
que se instaurará na modernidade.
Com efeito, será Kierkegaard quem iniciará a construção
dessa fisionomia do homem
em desespero
diante de si
mesmo e diante do Infinito . Mas vale ressaltar
que Goethe, no seu
Fausto , apresenta-nos inúmeras características dessa falta
de transcendência . O descontentamento de Fausto
diante de sua
existência é algo
tão monumental ,
que depois
dele não se pode mais
pensar a solidão do ser outro como mera excentricidade . A questão está posta e não
pode mais ser
rejeitada. Crê-se que Hamlet de
Shakespeare inicia esse questionamento de maneira
magistral . O limite
da existência não
é mais a própria
vida plantada no ethos. A vida humana
está condenada a transcender a si
mesma . Em
sendo assim , em
Hamlet, o diálogo consigo próprio, é o diálogo que
indica as fronteiras da existência .
O humano
de agora em
diante empreenderá um
caminho sem
retorno ao reino
animal e ao reino
espiritual [3]. Resta ao homem
a única condição
que lhe
é inteiramente própria
e autêntica , a de ser
puramente humano .
Contudo , a marca
indelével do sagrado
no mundo e no interior
do próprio homem
não fora
apagada nem
extinta . Seu
sintoma , concernente
ao estado de espírito
que essa presença-ausência denota é a Melancolia . Mas , muito embora
Goethe tenha definido a melancolia
como a doença
do pensamento , com
a entrada do homem
no romantismo e na era
industrial , sua
experiência com
a urbanidade moderna
inclui-lo-ia numa vivência que antes
estivera sendo vista como doença do corpo e da alma .
A Melancolia consegue, mesmo
nos dias
atuais , extrapolar
o sentido tradicional de algo que
facilmente se remete à depressão ou a tristeza . A melancolia não tem cura . Ela não se dissipa com
o uso do Prosac em que a serotonina
no cérebro atinge níveis
de equilíbrio e de êxtase .
A melancolia espera a passagem do efeito
da serotonina para
se fazer presente como algo intransponível e inatingível
ao espírito do homem .
O melancólico é por excelência
alguém que
perdeu algo ou
alguém e que ,
a todo custo ,
quer recuperar
o que perdeu. Sua
maior dor
é saber que não será mais possível o reencontro .
Seu disfarce
e seu consolo
estão como bem
disse Aristóteles, em encontrar
saídas na arte
e na filosofia .
Entrementes, vale destacar um
dos aforismos de um dos maiores representantes da melancolia na
contemporaneidade, Emile Cioran, em sua obra Breviário da De Decomposição:
Quando não se pode livrar-se de si mesmo,
deleita-se se devorando. Em vão se chamaria o Senhor das Sombras, o
distribuidor de uma maldição precisa: se está doente sem doença e se é réprobo
sem vícios. A melancolia é o estado sonhado do egoísmo: nenhum objeto fora de
si mesmo, nenhum motivo mais de ódio ou de amor. A não ser essa mesma queda em
um lodo lânguido essa mesma agitação de condenado sem inferno, essas mesmas
reiterações de um ardor de perecer... Enquanto que a tristeza contenta-se com
uma moldura de fortuna, a melancolia necessita de uma orgia de espaço, de uma
paisagem infinita para nela espalhar sua graça desagradável e vaporosa, seu mal
sem contornos, que, por medo de curar-se, teme um limite à sua dissolução e às
suas ondulações. Florece – a flor mais estranha do amor-próprio – entre os
venenos dos quais extrai sua seiva e o vigor de todos os seus desfalecimentos.
Nutrindo-se do que a corrompe, esconde, sob seu nome melodioso, o Orgulho da
Derrota e a Compaixão de si mesmo...
No contexto
da realidade brasileira ,
a melancolia fora
mostrada por inúmeros autores da literatura nacional . Tal perspectiva poderá ser
encontrada em Lima
Barreto, Machado de Assis, Graciliano Ramos , Raquel de Queiroz, Clarice Lispector, Guimarães
Rosa dentre
outros . Como
tarefa de síntese
e de tentativa de definição
da melancolia no Brasil, o médico
e escritor Moacyr Scliar, membro da
academia brasileira de letras, em sua obra Saturno nos Trópicos , a melancolia
européia chega ao Brasil, publicado pela Companhia
das Letras , pensa
“a melancolia como
resultado de circunstâncias
histórico-político-sociais. O ponto de partida da chegada
da melancolia é a partir
do Renascimento . Os portugueses chegaram ao Brasil
trazendo uma carga de tristezas decorrentes da mudança
cultural ocorrida em seu país de origem e, sobretudo da morte de dom
Sebastião. Para amenizar
a melancolia , o brasileiro
tenha criado antídotos
como o Carnaval ,
o futebol , o humor
e outras festas populares”. Inclua-se a herança trazida pelos
portugueses, a tristeza indígena
fruto dos genocídios
de tribos , o banzo
dos escravos africanos
decorrentes da separação sem retorno de sua cultura e religião . Aliados
a essas influências , a pobreza e a precariedade
da condição humana
expressaram umas experiências
desanimadoras, pessimistas e
antiufanista do Brasil.
A partir dessa
perspectiva , pode-se notar ,
igualmente , na música ,
a marca inextinguível
da ausência do sagrado .
Seja o Fado português ,
o Tango argentino, seja o samba brasileiro ou mesmo a bossa nova , a sertaneja ,
sem pretender
deixar de fora
o bolero e o brega ,
refletem, de forma autêntica
e fidedigna , o caráter
melancólico de povos afins . Pelo mundo afora ,
poder-se-ia encontrar uma infinidade
de Word Music que
transmitem com igual
profundidade a experiência
da saudade do absoluto .
A Música Marroquina ,
a Flamenca, a Romena , a Eslava , a Soufi, os poemas
musicados de S. João da Cruz , a Gregoriana , o Jazz ,
o Blues , a Andina
etc. Apesar de se poder
identificar uma gama
enorme de exemplos
da representação da melancolia
na história da humanidade ,
desde os mitos
arcaicos até
os nossos dias ,
os autores que
têm tentado compreender as causas
e os seus efeitos ,
ainda permanecem na esfera
de concepções muito
“academicistas”. Restaria, talvez , empreender uma análise
alternativa de causas
ainda inexplicáveis
e de saídas que
não sejam aquelas farmacológicas ou psicanalíticas.
No cinema
internacional , poder-se-ia, sem embargo , inscrever filmes de diretores que
se consagraram com essa marca profunda
da melancolia , mesmo
que não
se pretenderam realizá-los em vistas dessa temática :
Noites Felinas de Ciryl Collard, O Sétimo
Selo de Ingman Bergaman (além de suas quase todas obras ),
A Estrada
da Vida de Fellini, O Morro
dos Ventos Uivantes de William
Wyler, Deus e o Diabo na Terra do Sol de
Glauber Rocha ; Querelle de Fassbinder, Paris
Texas de Win Wenders, Os vivos e os mortos
de John Huston, Frankenstein de Kenneth Branagh, Matador de Almodóvar, As Horas de Stephen Daldry, Femme Fatale de Brain de Palma ,
Plata Quemada de Marcelo Piñeyro, O Segredo
de Brokeback Mountain de Ang Lee, Bangkok,
Love Store de Poj Arnon etc.
Na literatura universal , poder-se-ia eleger uma
infindável lista ,
valendo-se, obviamente, da perspectiva
do autor : aforismos
de Heráclito, Hinos Homéricos ,
cartas de Sêneca, Confissões de Sto
Agostinho, Othelo, Romeu e Julieta e
Hamlet de Shakespeare, obras de
Goethe, Crime e Castigo
e Os Demônios de Dostoïevski, Poemas de Rimbaud, Goethe, Poemas
de Fernando Pessoa , contos
de Borges, Escritos de Clarice
Lispector, textos de Nietzsche, Poemas de Konstantinos Kaváfis, Poemas
de Friedrich Hölderlin, Sonetos de
Rainer Maria Rilke, Escritos de Walter Benjamim , Novelas e Romances de Albert Camus, André Gide, Obras de Mishima, Romances
de Marguerite Duras, Romances de
Marguerite Yourcenar, Romances de Jean
Genet, obras de Pasolini, Artaud e Cia .
Os
resultados esperados a partir
desse olhar é a
melhor identificação
das causas que
provocam a Melancolia de outrem
em nossa
contemporaneidade moderna que se estabelecem, mas
que podem, todavia ,
serem suplantadas pelo devir
do corpo ; com
efeito , a evidência
dos sintomas da Melancolia
que se prolifera consideravelmente como se fosse um
tipo de epidemia
sem inoculação da “peste ”
no social ; a demonstração
do processo de niilização que
se verifica na atualidade através dos meios
midiáticos e definem um novo
estilo de vida
sem a marca
da diferença individual
nem comunitária ,
estabelecendo uma negação e um aniquilamento
da tradição cultural e ética ; a transição
do racional ao simbólico com vistas ao reconhecimento da percepção
do absurdo (non-sens) além do princípio
de razão . Essas marcas
que se acentuam a cada
dia e não
mostram mais seu rosto nem definem conceitos ,
faz do homem atual
um ser sem história de
sua própria
existência , haja vista
que a concepção
de história dada
à força pelo materialismo histórico
não encontra
mais eco
nem convence mais
aos verdadeiros excluídos. O niilista, assim
como afiançava Sade, quer aniquilar não somente a criatura , mas igualmente o criador
e todo o cosmo .
O que se pode esperar
do homem aniquilado pelo
seu próprio poder ? Uma das prerrogativas
que se pode antever
desde Spinoza é o devir
do corpo . Com
efeito , transcrevem-se aqui alguns excertos
do artigo deste autor O Devir
do Corpo e a Inveja
da Alma apresentado no XI Encontro da
ANPOF em Salvador – Bahia (2004):
Tornar-se outro
sem se anular
na subjetividade metafísica da alteridade sempre
foi o desejo do corpo
que se realiza quando
sente as impressões do fora . A experiência ,
portanto , faz do corpo
uma realidade em
constante devir
e permite que a compreensão
se dê sempre
por analogia
ao real porque
sua representação
não depende da razão ,
ela é sempre
ontológica . O corpo
sente, logo , não
pensa . Existe. A analogia
de retorno , desse modo ,
é alcançada somente pelo corpo entre o real e o concreto .
Como bem
assinala Camus em Núpcias ,
sua obra
do tempo perdido na Argélia: [...] o corpo ignora a esperança .
Conhece apenas as pulsações de seu sangue . A eternidade que lhe é própria é
feita de indiferença
(Albert CAMUS, Núpcias ). Com efeito , somente o corpo pode
se permitir ser indiferente diante
do outro , visto
que , na consciência ,
tal ato
tornaria o homem inumano
e culpado. O corpo não
almeja o que ele
não pode provar
porque seus
limítrofes estão demarcados desde sua origem e em sua própria compleição . Desse modo ,
o desejo do corpo
não é nunca
extrapolação , somente
a alma pode transpor
porque conhece as alturas
vertiginosas do real . Ora , como dizia
Platão em Fédon, [...] é no ato de raciocinar
que a alma
vê manifestar-se plenamente
a realidade de um
ser . Acostumada a perceber
a totalidade das coisas ,
incita o corpo a querer
o que não
pode ser alcançado, daí, faz sofrê-lo e o encaminha para a frustração ,
deixando-o a mercê da esperança , isto
é, do que está fora
de suas reais
possibilidades.
A real
possibilidade, portanto , de se pretender indicar alguma saída , mesmo que atenuante para a melancolia estaria
vis-à-vis, no devir do corpo . Devir
aqui se deve entender
não simplesmente
como uma experiência
qualquer do corpo ,
mas , sobretudo ,
de uma experiência ímpar ,
ou seja, de uma experiência
única , inigualável ,
irreparável , que
ocorre sob os auspícios
do tempo oportuno
(Kairós) . A única
possibilidade de realização está exclusivamente no fato
do indivíduo poder
escolher , nesse momento ,
aquela doação . Acolher
essa dádiva é a real
possibilidade de sentir a mais
profunda mudança .
Porém , não
se trata de uma mudança
prevista por
hábitos , nem
pela cultura ,
nem por
ideologias , nem
por indicações
religiosas, tão menos
filosóficas. A experiência do devir modifica o homem
em sua
essência porque
o reconstitui no todo da existência . De outro
modo , se se considerar
que o ente
é no ser , a partir da concepção heraclitiana, o devir
do corpo conduz o ente
ao verdadeiro âmbito
do ser . A analogia ,
desse modo , não
é mais metafísica ,
mas , sobremaneira ,
aquela que parte
do concreto para
o real . A ponte ,
então está lançada
entre o corpo /alma e o espírito
cósmico. Com efeito ,
a experiência do devir
do corpo permite ao homem
amenizar sua melancolia .
A Melancolia
para Camus como
efeito do absurdo ,
só pode ser
percebida como um
sentimento de absurdidade, antes de se tornar uma noção de absurdo .
Isto é, o absurdo
não é uma mera
especulação do indecifrável ,
para decifrar o enigma da Esfinge ,
porém , um
sentimento que
se instala no coração humano . Em contraposição , antevê-se, no âmbito
do devir do corpo ,
a presença do riso
como meio
de superação da melancolia .
O riso
é a metáfora dionisíaca
da natureza humana
que não
sabe se esconder . Representa a alegria
de viver , a espontaneidade
natural , o encanto
do olhar , a lisonja da presença do outro . O riso aponta e relembra a felicidade
humana possível
que , mesmo
efêmera , traz de volta
as primaveras do mundo .
Com efeito ,
ao querer tratar dessa característica se procurou lançar
mão de Henri Bergson, particularmente de sua
obra O
Riso , para
ajudar a explicar
essa necessária ambigüidade
humana . Em
seu capítulo
II sobre a comicidade humana , Bergson contrapõe a sociedade
com o reconhecimento
que ela
deve ter do riso ,
mesmo porque:
[...] ela
(a sociedade ) está em
presença de algo
que a preocupa, mas
somente como sintoma — apenas
uma ameaça , no máximo
um gesto .
Será, portanto , com
um simples
gesto que
ela responderá. O riso
deve ser alguma coisa
desse tipo , uma espécie
de gesto social .
Pelo medo que inspira, o riso
reprime as excentricidades , mantém
constantemente vigilante e em contato recíprocas certas atividades
de ordem acessória
que correriam o risco
de isolar-se e adormecer ; “flexibiliza” enfim tudo o que pode restar de rigidez mecânica
na superfície do corpo
social (2001: 15).
A partir
daí, desses lugares , é que se pode identificar uma
das mais profundas causas
da Melancolia , contudo ,
pode-se, igualmente , localizar
o momento de sua
bifurcação e de suas
amenizações e, quiçá , de suas superações. Parafraseando Camus, diante de uma realidade absurda opta-se por
morrer ou por se indignar (ou melhor,
revoltar-se) com o mundo .
Mesmo porque ,
segundo ele ,
adquire-se o hábito de viver ,
antes de adquirir
o de pensar . Ora ,
se uma sociedade permite e motiva
a prática de uma imaginação
(pela via da arte e da filosofia ) que desvie a fatídica
solução do absurdo
na morte , pode-se antecipar
outro modo de vida .
Apontar , portanto ,
as impossibilidades dessa antecipação estão sendo uma das tarefas ,
dentre outras, dessa pesquisa quando
anuncia o devir do corpo .
[1]
CIORAN, E. Acedia. In: breviário de decomposição. P.79.
[2]
Ennui – termo francês para designar estado de tédio, de vazio, sem sentido.
[3] Como afirmara Aristóteles na Ética a Nicômaco, o homem
virtuoso é aquele
que empreende o caminho
de deslocamento dos extremos e se dirige ao meio
termo . Desse modo
ele poderá encontrar
a eudaimonia (felicidade ),
porque desse lugar
ele pode contemplar .
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