Lourenço Leite
Professor de Filosofia e Crítico de Cinema
Foi há 120 anos, no dia 28 de dezembro de
1895, no Grand Café, no Boulevard des Capucines, em Paris, que os irmãos Louis
e Auguste Lumière organizaram a primeira sessão de cinema da história. Esses
irmãos nasceram com a Luz, faltava-lhes o movimento e o som. Com seu
cinematógrafo o mundo acabara de ser presenteado com a sétima inigualável arte
– o Cinema.
De Serguei Eisenstein com seu Encouraçado
Potemkin (Bronenosets Potyomkin /The Battleship Potemkin) até À Garota Dinamarquesa (The Danish Girl) de Tom
Hooper o cinema se superou em qualidade técnica, efeitos especiais e em
interpretações magistrais. Quisera poder elencar a lista de filmes, de
diretores e atores ao longo desses 120 anos, mas me é impossível, contudo posso
destacar que o cinema contribuiu para que pudéssemos efetuar uma compreensão do
passado, do presente e do futuro sem deixar de conduzir-nos de volta à
realidade existencial.
Os geniais diretores de cinema ultrapassaram
em seu vanguardismo a filosofia, a técnica e a ciência; mostraram no mundo
virtual a possibilidade de imaginarmos como seria o que pode ser diferente. A
alteridade sempre fora o esteio de suas obras cinematográficas, haja vista o
que se pode vislumbrar em O Vampiro de Dusseldorf de Fritz Lang ou em O
Corcunda de Notre Dame de Peter Medak além de inumeráveis películas sobre o
Outro.
O cinema nasce com a magia consolidada nos
rituais de projeção das salas em todos os cantos do planeta terra. Das
montanhas do Tibet à Monte Santo no sertão da Bahia, crianças, jovens, adultos
e idosos estiveram maravilhados diante de uma tela, às vezes tosca montada de
um lençol roto ou nas salas especiais de shoppings com recursos de HD e som
surround o cinema fez chorar em silêncio e a regozijar seus espectadores com os
reencontros inesperados e almejados. Fez
nos sentirmos mais humanos e mais diabólicos; ensinou-nos a amar um E.T. e até
mesmo um robô. Abrilhantou-nos com a sutileza da vida simples do cotidiano em O
Fabuloso Destino de Amélie Poulain de Jean-Pierre Jeunet ou em O Porco Espinho
(Le Hérisson) de Mona Achache. Através dessas grandiosas obras cinematográficas
o mundo pudera perscrutar o não-dito do dito, as sutilezas do dia a dia da
existência humana. Pôde revelar O divino do Outro e o Mistério do Sagrado mesmo
em sua inescrutável epifania. A inalcançabilidade do Outro fora aproximada pela
cena tênue e sofisticada demonstrada pelo gesto do ator, mesmo coadjuvante, ao
levantar o véu do suposto Tuaregue em O Céu que nos Protege de Bernardo
Bertolucci.
O cinema tivera a proeza de servir de permuta
da vida real como se fora real, ao menos no imaginário dos personagens em
Lisbela e o Prisioneiro de Guel Arraes em que a atriz Débora Falabella age de
acordo com o que vê na tela do cinema de sua cidade e sempre aguardando que se
efetive o que fora mostrado. O filme é mais que um deleite para a alma e para o
espírito ao mostrar que o cinema pode tudo sem alterar o nosso dia a dia nem
nosso destino tecido pelas Moïras fiandeiras. O mundo do cinema é a realidade
virtual alternativa para que a mente humana possa alçar vôos sem limites e
plainar acima da realidade com um olhar de acuidade como de uma águia para, ao
descer, capturar a preza nefasta do preconceito, da dor inesperada, da frustração
sem sentido, da indiferença sem culpa, da música não tocada, do beijo que não
fora dado, da verdadeira trepada que nunca acontecera.
Meu olhar sobre o cinema é como o olhar de
Hermes e Exú que quer interpretar para as gerações vindouras o simbólico da
arte maior. Parabéns, Cinema! Que seu espírito perpasse o Tempo e traga-nos de
volta o possível verdadeiro...
Nenhum comentário:
Postar um comentário