A
invisibilidade de Jesus Cristo na noite do Getsêmani perante Deus Pai fora uma
das mais aterrorizantes e desesperadoras horas vividas por Ele. Fora o momento
crucial para que Ele se tornasse homem. Ele experimentou na carne a desolação,
o abandono e ausência do Absoluto. Deus se fizera presente em seu silêncio
ensurdecedor e sem precedentes. Nem na saída do povo hebreu do Egito conduzido
por Moisés essa demonstração ocorrera; nem tampouco com Abraão quando aceitara
imolar seu filho Isaac; mas para o filho amado Ele tivera que se tornar
ausente. A melancolia vivida pelo Cristo se tornara o vazio mais profundo do
seu Ser. Ele pensara em não poder mais experimentar a presença plena de Deus.
A
redenção de Cristo não tivera sentido se Nele não se manifestasse a dor da
ausência, da rejeição, da solidão e da indiferença, a maior e mais estonteante
experiência humana de exclusão que a moral humana consegue atingir, mas não a
Ética. Nzambi/Olorum fora antiético!!!??? Assim como bem afirmara Albert Camus:
“Sua grandeza é sua inconseqüência. Sua prova é sua inumanidade”. Igualmente
para seu Filho não devera revelar-Se como presença. Mais adiante, quando de sua
crucificação no Gólgota, escuta do bom ladrão: ‘Eloi,
Eloi, lamá sabactani’, ‘Meu Deus, por que me desamparaste?’. Sem o aparente
abandono de Deus a redenção não tem sentido. Todo iniciado em algum momento da
jornada iniciática sente a falta de fé e da experiência do abandono.
Redimir
é refazer a ponte fragmentada entre a aldeia e a cidade; entre a parte e o
Todo. Jesus Cristo se não tivera a experiência do exílio da dor da ausência não
pudera com sua crucificação ter redimido toda a humanidade representada por
todos aqueles que contribuíram com a reconstrução da ponte. Haja vista que esse
sempre foi e será a função do herói. De Ulisses à Marielle Franco a heroicidade
auxilia que todos igualmente possam chegar à Ítaca passando pela ponte.
Assim
ocorrera recentemente com os heróis invisíveis de nosso país elencados a seguir
por Fernando Horta:
Paulo Sérgio
Almeida Nascimento 13/03/2018 – líder comunitário no Pará – assassinado; Márcio
Oliveira Matos, 26/01/2018 – líder do MST na Bahia – assassinado; Leandro
altenir Ribeiro Ribas, 19/01/2018 – Líder Comunitário no RS – assassinado; Jefferson
Marcelo, 04/01/2018, Líder comunitário no RJ – assassinado; Carlos Antonio dos
Santos (carlão), 08/02/2018 – líder movimento agrário Mato Grosso – assassinado;
José Raimundo da Mota de Souza Júnior 13/07/2017 – líder quilombola/MST bahia –
assassinado; Eraldo Lima Costa e Silva, 20/06/2017 – líder MST Recife –
assassinado; George de Andrade Lima Rodrigues, 23/02/2018 – líder comunitário
Recife – assassinado; Luís César Santiago da Silva (“cabeça do povo”),
15/04/2017 – líder sindical Ceará – assassinado; José Bernardo da Silva,
27/04/2016 – líder do MST Pernambuco – Assassinado; Paulo Sérgio Santos,
08/07/2014 – líder quilombola na Bahia – Assassinado; Rosenildo Pereira de
Almeida (Negão), 08/07/2017 – líder comunitário/MST – Assassinado; Jair Cleber
dos Santos, 24/09/2017 – líder movimento agrário Pará – Assassinado; Simeão
Vilhalva Cristiano Navarro, 01/09/2015 – líder indígena Mato Grosso –
Assassinado; Fabio Gabriel Pacifico dos Santos (binho dos palmares), 19/09/2017
– líder quilombola Bahia – Assassinado; Valdenir Juventino Izidoro, (lobo),
04/06/2017 – líder camponês Rondônia – Assassinado; Almir Silva dos Santos,
08/07/2016 – líder comunitário no Maranhão – assassinado; José Conceição
Pereira, 14/04/2016 – Líder comunitário Maranhão – Assassinado; Waldomiro costa
Pereira, 20/03/2017 – Líder MST Pará – Assassinado; Valdemir Resplandes,
09/01/2018 – líder MST Pará – Assassinado; Clodoaldo dos Santos, 15/12/2017 –
líder sindicalista sindipetro RJ – assassinado; João Natalício Xukuru-Kariri,
19/10/2016 – líder indígena Alagoas – Assassinado; Edmilson Alves da Silva,
16/02/2016 – Líder comunitário alagoas – Assassinado; Agora foi a vereadora
Marielle Franco. Assassinada.
Comer
o cordeiro da Páscoa, como fizera os hebreus antes de partirem em direção à
Terra Prometida é celebrar a libertação de um povo que houvera sido
escravizado.
Nosso
país – Brasil está ainda sob o jugo da elite dominante e nosso povo bem como
nossos heróis sendo levados ao matadouro como ovelhas para serem imoladas.
Continuar-se-ão as mortes e os assassinatos, mesmo que um desses heróis seja
ex-presidente; vereadora; líderes indígenas; líderes comunitários; líderes
quilombola e professores. Contudo, uma coisa se lhes escapa no âmbito da mística
histórica: essas ovelhas imoladas são representativas do cordeiro de Deus que se
fez homem e habitou entre nós.
Os
invisíveis de nosso Tempo comemoram a Páscoa sozinhos, na experiência melancólica
do que fora Absoluto em um dado momento. São vistos apenas no encontro do Face-a-Face
do deserto em que não há chocolates nem coelhinhos. Nem mesa farta de um banquete
extramundano onde o Outro absolutamente Outro não tem lugar na mesa porque está
sujo, Imundo (sem mundo), doente, exilado, sem voz à espera que um de nós se pronuncie
em sua defesa. Camus, ao receber o prêmio Nobel de Literatura em 1957, discursara:
é preciso que sejamos o porta voz da humanidade sem voz.
Meus
sinceros votos de Páscoa são para que haja mais pessoas que possam celebrá-la junto
com os Invisíveis.
Ilha
de Itaparica, Páscoa de 2018
Meursault
Babalaxé