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domingo, 20 de dezembro de 2015

O desespero da fome e o absurdo da existência





O vazio do mistério do sagrado impetrado no âmago de muitas pessoas fizera surgir um tipo de proselitismo exacerbado, cego e intolerante em nome de Alah ou de Jesus Cristo. Essa ausência clama por presença e, às cegas, fruto de uma alienação orquestrada pelas religiões deixa-se invadir por seitas fundamentalistas numa proliferação sem precedentes na história da humanidade. A profusão da peste da ignorância fomentada pela mídia internacional assegura que o neo-liberalismo torne-se o Senhor absoluto como profetizou George Orwel em 1984 pela presença onipresente do Grande Irmão (Big Brother).
A razão manca e desprovida de alcansabilidade ao simbólico da natureza convence que estamos completamente destituídos de transcendência e de mistério. Não há mais mistério, tudo fora revelado e desvendado... só estamos seguros no âmbito da memória da repetição, a novidade do mistério fora impedida de aparecer em quaisquer esfera da arte, da música, da religião, da ciência e da filosofia. O Ser constitui-se, cada vez mais, orfandade do Ente. Os deuses e os demônios disputam o lugar de ocupação no corpo dos endividados do mistério com a anuência e a propagação de exorcismos mascarados por pastores da indústria religiosa. Representantes de Satã esses ditos sacerdotes engendram com o auxílio da neo-linguística liberal a alicercização da estupidez, da alienação e da intolerância e conduzem o rebanho dos desesperados ao abismo da exclusão da vida. Diversamente, no lugar de efetuarem o salto qualitativo da fé, caem no abismo que conduz ao fundo da caverna do senso comum e permanecem para sempre no limbo do obscurantismo da ignorãncia. Como afiança um aluno/amigo: “só Jesus Cristo salva! Mas é o conhecimento (sabedoria) que liberta!”.

O homem contemporãneo suplantou o Frankenstein que buscara o criador. Atualmente, a criatura recria o criador, numa tessitura inigualável de longevidade na efemeridade da existência. A melancolia cedera lugar para a depressão e a tristeza. O cão de Saturno/Tempo companheiro do mendingo da existência não lambe mais as chagas oriundas do vazio nem deita mais ao seu lado.

Nesse ínterim, almeja-se o absoluto e escolhe-se o modo de vida mais execrável em que o Outro, A criação, A arte e a verdadeira mística da existência não são reconhecidos. Inúmeras pessoas tornaram-se a excrescência da condição humana sob a égide de seitas e de instituições financeiras; da moral cristã burguesa em detrimento da Ética; da ignorância regada pelas religiões e pela política midiática; de grupos terroristas que assediam adolescentes em troca de uma vida plena de sentidos e de vingança; de extremistas dito comandantes de Alah que ensinam crianças através de bonecos de pano como decapitar um ocidental infiel; de homens e mulheres bombas que sacrificam suas vidas em função de aniquilarem a de inocentes... e a inocência, como dissera Camus em O Homem Revoltado, é chamada a se justificar em função dos crimes de lógica... e a filosofia comete o pior dos suicídios... matar a verdade que ela própria ensinou a desvelar...
Paradoxalmente, a astrofísica reconhece no Bóson de Riggs a Partícula de Deus (a partícula maldita); o Dalai Lama apregoa que a Ética é mais importante que a Religião; O Papa Francisco clama que “Ao ateu, não diria que sua vida está condenada, porque estou convencido de que não tenho direito de fazer juízo sobre a honestidade dessa pessoa”; Albert Camus, o maior ateu místico do século XX reflete sobre a presença do sagrado: “para que um Deus se torne homem é preciso que ele se desespere... esse estranho olhar que ainda não era seu”; Sebastião Salgado em O Sal da Terra de Win Wenders prenuncia: “cada pessoa que morre é um pedaço do mundo que morre”.
Não creio mais na pessoa humana; não creio mais nas religiões; não creio mais em Deus; não creio mais no conhecimento; não creio mais nas instituições financeiras; não creio mais nos alunos nem na academia; não creio mais na filosofia nem na teologia; não creio mais na política nem na economia; não creio mais na justiça nem no judiciário; não creio mais nas instituições de caridade; não creio mais na família nem no casamento... nunca cri na moral cristã burguesa; não creio mais na Igreja nem tampouco no Vaticano; não creio nos seminaristas nem nos padres... não creio nas orações prometidas ao Outro em substituição à presença... não creio....!!!!
Não obstante, acredito no Outro absolutamente Outro que vive desde sempre na anterioridade de tudo; acredito que Deus é mudo, cego, tetraplégico, surdo e espera que a gente dê conta da existência e viva plenamente a vida, pois tudo foi posto!!!; acredito no Ser Humano; acredito na dignidade humana; acredito piamente na Ética da crueldade e na da alteridade; acredito na gentileza humana e no reconhecimento da solidariedade; acredito que somente a sabedoria pode ajudar o homem a sair desse abismo colapsado pela ignorância; acredito que o conhecimento que não se torna sabedoria é estéril; acredito que a força de um povo está em suas tradições; acredito que o amor é uma força da natureza...

Sem embargo, continuo todos os dias a regar as plantas, a cuidar dos animais, a ouvir a música de Ballaké Sissoko, Ali Farka, Toumani Diabaté, Tiganá Santana, da melancolia Inka, da flauta de bambú japonesa, do canto gregoriano... a preparar comidas temperadas com salsa, ki io iô, gengibre, sal do himalaya, manjericão, alecrim, açafrão, alfavaca e azeite de oliva... a beber bons vinhos, whisky´s e cachaças envelhecidas em barris de carvalho, a me deliciar com queijos de Minas, Francês e Suiços... a ver filmes da cinematografia mundial; a ler romances e filosofia mística; a viajar pelo mundo no vale sagrado do Inkas e no deserto de Marrakech, a caminhar na cidade fortificada da Ilha de Malta ou nas montanhas do Pirineus franceses, a conversar com os orixás e com os caboclos; a fazer oferendas aos deuses da natureza; a me encantar com o coelho do meu jardim que corre atrás da galinha; a apreciar o chocar de ovos por uma pata e uma galinha no mesmo ninho; a me maravilhar com os gestos de carinho e de cumplicidade dos meus cães e gatos; a ver todos os dias o nascer do sol e a rezar Ave Maria para N S de Guadalupe (protetora da América Latina) na hora do angelus; a pedir desculpas; a dar bom dia, mesmo que não respondam; a fazer fila para comprar bilhete de passagem e sacar dinheiro nos caixas automáticos; a não fazer concessão com as injustiças; a não conceder compaixão aos alunos em fase de orientação de pesquisa e de iniciação acadêmica; a cuidar dos amigos...
Parafraseando Mestre Eckhart: “ que Deus me livre de Deus”, pois “não suporto esse mundo que somos reduzidos a Deus” (Camus)
Bom Natal verdadeiro e 2016 propagado de ateus e de solidariedade.
Lourenço Leite

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