O vazio do mistério do
sagrado impetrado no âmago de muitas pessoas fizera surgir um tipo de
proselitismo exacerbado, cego e intolerante em nome de Alah ou de Jesus Cristo.
Essa ausência clama por presença e, às cegas, fruto de uma alienação
orquestrada pelas religiões deixa-se invadir por seitas fundamentalistas numa
proliferação sem precedentes na história da humanidade. A profusão da peste da
ignorância fomentada pela mídia internacional assegura que o neo-liberalismo
torne-se o Senhor absoluto como profetizou George Orwel em 1984 pela presença
onipresente do Grande Irmão (Big Brother).
A razão manca e desprovida de
alcansabilidade ao simbólico da natureza convence que estamos completamente
destituídos de transcendência e de mistério. Não há mais mistério, tudo fora
revelado e desvendado... só estamos seguros no âmbito da memória da repetição,
a novidade do mistério fora impedida de aparecer em quaisquer esfera da arte,
da música, da religião, da ciência e da filosofia. O Ser constitui-se, cada vez
mais, orfandade do Ente. Os deuses e os demônios disputam o lugar de ocupação
no corpo dos endividados do mistério com a anuência e a propagação de
exorcismos mascarados por pastores da indústria religiosa. Representantes de
Satã esses ditos sacerdotes engendram com o auxílio da neo-linguística liberal
a alicercização da estupidez, da alienação e da intolerância e conduzem o
rebanho dos desesperados ao abismo da exclusão da vida. Diversamente, no lugar
de efetuarem o salto qualitativo da fé, caem no abismo que conduz ao fundo da
caverna do senso comum e permanecem para sempre no limbo do obscurantismo da
ignorãncia. Como afiança um aluno/amigo: “só Jesus Cristo salva! Mas é o
conhecimento (sabedoria) que liberta!”.
O homem contemporãneo suplantou o
Frankenstein que buscara o criador. Atualmente, a criatura recria o criador,
numa tessitura inigualável de longevidade na efemeridade da existência. A
melancolia cedera lugar para a depressão e a tristeza. O cão de Saturno/Tempo
companheiro do mendingo da existência não lambe mais as chagas oriundas do
vazio nem deita mais ao seu lado.
Nesse
ínterim, almeja-se o absoluto e escolhe-se o modo de vida mais execrável em que
o Outro, A criação, A arte e a verdadeira mística da existência não são
reconhecidos. Inúmeras pessoas tornaram-se a excrescência da condição humana
sob a égide de seitas e de instituições financeiras; da moral cristã burguesa
em detrimento da Ética; da ignorância regada pelas religiões e pela política midiática;
de grupos terroristas que assediam adolescentes em troca de uma vida plena de
sentidos e de vingança; de extremistas dito comandantes de Alah que ensinam
crianças através de bonecos de pano como decapitar um ocidental infiel; de
homens e mulheres bombas que sacrificam suas vidas em função de aniquilarem a
de inocentes... e a inocência, como dissera Camus em O Homem Revoltado, é
chamada a se justificar em função dos crimes de lógica... e a filosofia comete
o pior dos suicídios... matar a verdade que ela própria ensinou a desvelar...
Paradoxalmente, a astrofísica reconhece no
Bóson de Riggs a Partícula de Deus (a partícula maldita); o Dalai Lama apregoa
que a Ética é mais importante que a Religião; O Papa Francisco clama que “Ao ateu, não diria
que sua vida está condenada, porque estou convencido de que não tenho direito
de fazer juízo sobre a honestidade dessa pessoa”; Albert Camus, o maior ateu
místico do século XX reflete sobre a presença do sagrado: “para que um Deus se
torne homem é preciso que ele se desespere... esse estranho olhar que ainda não
era seu”; Sebastião Salgado em O Sal da Terra de Win Wenders prenuncia: “cada
pessoa que morre é um pedaço do mundo que morre”.
Não
creio mais na pessoa humana; não creio mais nas religiões; não creio mais em
Deus; não creio mais no conhecimento; não creio mais nas instituições
financeiras; não creio mais nos alunos nem na academia; não creio mais na
filosofia nem na teologia; não creio mais na política nem na economia; não
creio mais na justiça nem no judiciário; não creio mais nas instituições de
caridade; não creio mais na família nem no casamento... nunca cri na moral
cristã burguesa; não creio mais na Igreja nem tampouco no Vaticano; não creio
nos seminaristas nem nos padres... não creio nas orações prometidas ao Outro em
substituição à presença... não creio....!!!!
Não
obstante, acredito no Outro absolutamente Outro que vive desde sempre na
anterioridade de tudo; acredito que Deus é mudo, cego, tetraplégico, surdo e espera
que a gente dê conta da existência e viva plenamente a vida, pois tudo foi
posto!!!; acredito no Ser Humano; acredito na dignidade humana; acredito
piamente na Ética da crueldade e na da alteridade; acredito na gentileza humana
e no reconhecimento da solidariedade; acredito que somente a sabedoria pode
ajudar o homem a sair desse abismo colapsado pela ignorância; acredito que o
conhecimento que não se torna sabedoria é estéril; acredito que a força de um
povo está em suas tradições; acredito que o amor é uma força da natureza...
Sem
embargo, continuo todos os dias a regar as plantas, a cuidar dos animais, a
ouvir a música de Ballaké Sissoko, Ali Farka, Toumani Diabaté, Tiganá Santana,
da melancolia Inka, da flauta de bambú japonesa, do canto gregoriano... a
preparar comidas temperadas com salsa, ki io iô, gengibre, sal do himalaya,
manjericão, alecrim, açafrão, alfavaca e azeite de oliva... a beber bons
vinhos, whisky´s e cachaças envelhecidas em barris de carvalho, a me deliciar
com queijos de Minas, Francês e Suiços... a ver filmes da cinematografia
mundial; a ler romances e filosofia mística; a viajar pelo mundo no vale
sagrado do Inkas e no deserto de Marrakech, a caminhar na cidade fortificada
da Ilha de Malta ou nas montanhas do Pirineus franceses, a conversar com os
orixás e com os caboclos; a fazer oferendas aos deuses da natureza; a me
encantar com o coelho do meu jardim que corre atrás da galinha; a apreciar o
chocar de ovos por uma pata e uma galinha no mesmo ninho; a me maravilhar com
os gestos de carinho e de cumplicidade dos meus cães e gatos; a ver todos os
dias o nascer do sol e a rezar Ave Maria para N S de Guadalupe (protetora da
América Latina) na hora do angelus; a pedir desculpas; a dar bom dia, mesmo que
não respondam; a fazer fila para comprar bilhete de passagem e sacar dinheiro
nos caixas automáticos; a não fazer concessão com as injustiças; a não conceder
compaixão aos alunos em fase de orientação de pesquisa e de iniciação acadêmica;
a cuidar dos amigos...
Parafraseando
Mestre Eckhart: “ que Deus me livre de Deus”, pois “não suporto esse mundo que
somos reduzidos a Deus” (Camus)
Bom
Natal verdadeiro e 2016 propagado de ateus e de solidariedade.
Lourenço
Leite
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