O
CORPO E O ANTI-DEVIR
(Reich na constituição
de uma ideologia niilista)
E-mail: lourencoleite@ufba.br
RESUMO
A
repressão sexual
na família autoritária
foi uma das questões centrais do pensamento
de Wilhelm Reich no intuito de mostrar a constituição
de ideologia fascista .
Pertencente a uma certa dissidência freudiana
e crítico psicanalítico, Reich compôs o grupo dos primeiros
divergentes do pensamento
de Freud, assim como
Jung, Adler e Stekel na década de 20. Será
a partir da Teoria
da Genitalidade e da Teoria do Caráter que
Reich formulará a sua teoria crítica
da ideologia autoritária .
Particularmente na família
esta ideologia percorre caminhos históricos
e sedimentações psicológicas, cabendo
aos indivíduos , por
uma revolução sexual ,
extirpar as repressões
e chegar a uma consciência
social .
PALAVRAS CHAVES: Repressão Sexual –
Família Autoritária – Teoria da Genitalidade – Teoria do Caráter – Wilhelm
Reich – Freud.
A
repressão sexual
na família autoritária
foi uma das questões centrais do pensamento
de Wilhelm Reich no intuito de mostrar a constituição
de ideologia fascista .
Pertencente a uma certa dissidência freudiana
e crítico psicanalítico ,
Reich[2]
compôs o grupo dos primeiros
divergentes do pensamento
de Freud, assim como
Jung, Adler e Stekel na década de 20.
A
sua maior
descoberta nessa trajetória
foi a da função do orgasmo : "O
orgasmo era
uma idéia fixa .
Está no âmago da sua
teoria do homem
e da sociedade , em
última instância ,
tornou-se a rubrica sob
a qual interpretou todo
o cosmos " considera Paul
Robinson em sua
obra A
Esquerda Freudiana
[3].
Reich
"propunha inverter
os conceitos psiconeuróticos de Freud"
reelaborando "o conceito
de neurose atual
e dele fazendo o centro da sua patologia sistemática " [4].
O sintoma neurótico é alimentado pela não descarga da libido .
Apesar de Freud na sua
metapsicológica ter demonstrado isso , é em
Reich que o comportamento
neurótico vai adquirir a sua
justificação pela
ideologia internalizada na família .
Será
a partir da Teoria
da Genitalidade e da Teoria do Caráter que
Reich formulará a sua teoria crítica
da ideologia autoritária .
Particularmente na família
esta ideologia percorre caminhos históricos
e sedimentações psicológicas, cabendo
aos indivíduos , por
uma revolução sexual ,
extirpar as repressões
e chegar a uma consciência
social .
Reich
inventou também a expressão
"sexo-economia" para designar
a carga sexual
da libido e explicitar
melhor a sua
quantidade , medida
em relação
aos pressupostos ideológicos da família autoritária . Mas
esta expressão de síntese
entre o pensamento
de Freud e de Marx é que vai levá-lo à elaboração de sua
última teoria
científica : a biopsíquica ou energia
orgone: "De fato ,
Reich acabou concebendo a história do cosmos como uma titânica luta entre a energia
orgone e a energia atômica"[5].
Contudo , a nossa
abordagem limitar-se-á aos pressupostos
da economia sexual
sobre a família
autoritária na constituição
de uma ideologia .
II
- A Teoria da Genitalidade e a Teoria do Caráter :
pressupostos da família autoritária
Reich
vai aceitar esse
funcionamento , mas
definirá a neurose como
resultado de uma perturbação, não da libido em geral , mas da libido genital . Somente a plena satisfação da libido pelo orgasmo pode assegurar o equilíbrio do indivíduo .
A repressão da sexualidade ,
portanto , vai levar
também ao represamento
pulsional da libido , gerando angústia , a qual
influenciará diretamente no desempenho das capacidades
de trabalho do indivíduo
e do seu equilíbrio
emocional . Essa libido
fixada acarreta consequências no orgasmo ,
o que , de retorno ,
a torna mais
enfraquecida. Disso resulta, uma introspecção do indivíduo e não
a sua realização
efetiva sexual .
Para Reich ainda ,
aliás como
para Freud, estas pulsões reprimidas, se não forem sublimadas, não
poderão efetuar as suas
devidas descargas . No entanto , Reich observa que
a sublimação eficaz ,
não patológica ,
é somente aquela das pulsões pré-genitais, porque as demais
são insublimáveis. No neurótico, este funcionamento
pulsional adquire a forma de uma sociabilidade
permeada de sexualidade pré-genital. Ele não
consegue então , que
a sua genitalidade venha a se efetuar , devido as repressões internas adquiridas que
prejudicam a sua vida
amorosa .
Essa
teoria de Reich implica numa saída para o antagonismo freudiano
entre o indivíduo
e a sociedade , mediante
a articulação da individualidade ,
produzida pelo poder psíquico , com a
"individualidade ", construída pelo poder das relações sociais
e culturais: "é também
a saída do plano
estrutural das fatalidades biológicas para o plano das contradições históricas, solúveis
historicamente"[6].
No
indivíduo onde
a genitalidade é assumida, o SuperEgo , responsável pela
transmissão ideológica, perde sua capacidade punitiva . Se: "nesta utopia genital ', “o
conflito edipiano é resolvido de forma não repressiva , o SuperEgo
se debilita, e não consegue exercer eficazmente sua função de introjetar no psiquismo
os valores morais
inibidores” [7].
Partindo
dessa Teoria da Passagem
Caractereológica, a teoria da ideologia em
Reich começa a adquirir
seu fundamento :
"o caráter
é 'missing link ' entre
a ideologia e a ação ".
Se a ideologia , como
diz Marx, "tornou-se uma forma material na medida em que se apodera das massas "
essa força depende do grau de internalização nas consciências
dos indivíduos . Concernentemente, diz
Rouanet, "a ideologia se ancora no caráter ".
O caráter é uma espécie
de contendor ideológico cultural a calcificar as personalidades .
Ainda Rouanet: "aderindo racionalmente
a uma idéia , os homens
pensam diferentemente ;
assimilando a ideologia , e
transmutando-a em caráter ,
os homens são
diferentes "[9].
A
família , nessa situação ,
marcada de ideologia autoritária , mola
mestra da sociedade pequeno-burguesa, vai influenciar e servir de parâmetro fundamental
na teorização que Reich faz da base repressiva
do caráter . Diz Reich no início do cap. IV da Psicologia de Massas
do Fascismo : "Uma vez
que a sociedade
autoritária se reproduz, com o auxílio
da família autoritária ,
nas estruturas individuais
das massas , a família
tem de ser abordada e defendida pela
reação política
como a base
do Estado da Cultura
e da Civilização ". No entanto , se observarmos a família
sob o ponto
de vista da evolução
social , ela
não pode ser
encarada, continua Reich, "como a base do Estado autoritário , mas
como uma das mais
importantes instituições
que lhe
servem de apoio "[10].
O processo de ideologização portanto ,
carrega consigo o estigma
da família autoritária
que vai fundamentar
a moral sexual
repressora e indicar o caminho
que os homens
e as mulheres devem seguir
na sociedade , principalmente
a sociedade burguesa. E, se no caso
de aparecer nessa sociedade
a mulher liberada das amarras da sexualidade submissa ,
o colapso da ideologia
autoritária estaria prestes
a acontecer . Os homens
por sua
vez , assumem a posição
reacionária e conservadora de ter a mulher como objeto de reprodução e não
como parceira
do prazer . O prazer às mulheres é negado para não comprometer a liberdade do homem
e a manutenção da estrutura
ideológica. Nesta perspectiva , diz
Reich: "o ato
sexual por
prazer desonra
a mulher e mãe ;
uma prostituta é uma mulher que
aceita o prazer e vive para
ele " [11].
A
família para
Reich, como objeto
de estudo e análise
histórica tem na repressão
sexual sua
razão de ser .
Assim fundamenta
a origem da ideologia
autoritária , exclusivamente ,
sem outras finalidades
explicativas. Desta maneira , a distinção que ele efetuou na sua
pesquisa , foi de uma história da sociedade
dividida por dois
tipos básicos :
"o matriarcado tolerante
e o patriarcado autoritário "[12].
III.
A Ideologia Autoritária
na Família de Classe
Média Baixa :
gênese e estrutura repressiva .
A
fim de podermos identificar
melhor a posição
social da classe
média na história ,
segue o que Reich distingue:
a) sua
posição no processo
de produção capitalista ;
b) sua
posição no aparelho
de Estado autoritário ;
c) sua
situação familiar
especial .
Dessas
distinções analisadas por ele é que se terá uma melhor
compreensão da sua
teoria da ideologia
em relação
a classe média . A diferenciação das posições
da classe média não vai contudo ,
esclarecer necessariamente a sua
estrutura ideológica. Apesar dela se situar
nesses diferentes níveis
do social e do econômico ,
é normalmente na família
que se dá uma identificação
de aspectos essenciais .
1)
o funcionário público
encontra-se normalmente abaixo das conquistas
políticas do proletariado
e, em contrapartida ,
compensa essa defasagem com a ilusão de
fazer carreira
no departamento onde
trabalha ;
2)
a sua perspectiva
diante da nação
é sempre de serví-la e de tornar-se um bom patriota , ajudando-a no seu
progresso e no desenvolvimento
econômico ; nisso consiste sua total identificação com
o poder estatal ;
no caso de um
funcionário de uma empresa ,
ele se identificaria com a empresa em que trabalha ;
3)
obedecendo cegamente aos seus superiores
o funcionário é representante dessa autoridade diante de seus colegas e,
como tal ,
goza posição
moral privilegiada;
4)
a sua vida
particular é modesta, mas a sua aparência social
é sempre de alguém
que detêm um
certo poder
aquisitivo, pois veste-se sempre
bem e possui coisas
que só
a classe média alta poderia adquirir sem maiores dificuldades
— é a manutenção do seu
status quo, implicado no sacrifício
de vida privada
familiar ; há casos
até dele não
ter dinheiro para a alimentação básica , sem contudo deixar de se "vestir bem ".
Nessa
configuração de estilo
de vida , a família
desse funcionário exerce uma influência constante ,
seja na manutenção de sua aparência social , seja no arremate
da utilização da máscara
caractereológica. Compreender essa influência ,
foi uma das grandes preocupações
da 1ª fase de Reich, quando
de seu estudo
de filosofia política .
Numa de suas questões ,
ele aponta a problemática
da família autoritária
sobre seus
pupilos : "qual a extensão exata
dessa identificação com
a autoridade ?" Que ela existe, continua ele ,
"já se sabe. Mas
a questão é saber como , a despeito
dos fatores econômicos
que a atinjem diretamente ,
os fatores emocionais
fundamentam e consolidam de tal maneira a atitude do indivíduo da classe média baixa que sua estrutura se mantêm absolutamente
firme mesmo
em épocas
de crise , ou
em épocas
em que
o desemprego destrói a base econômica imediata "[16].
Será portanto nessa situação
familiar que
Reich encontrará a chave para
o fundamento emocional
da alienação e do caráter
autoritário .
Na
Análise do Caráter ,
sua obra
principal , Reich justificará os aspectos
da ideologia autoritária
à luz da psicanálise ,
da mesma forma
como pretendeu efetuar
a terapia dos problemas
autoritários quando
de sua estadia
em Berlim. Escreve Paul
Robinson sobre a Esquerda
Freudiana : "a verdadeira tarefa que pretendia (Reich) não
era de terapia ,
mas profilaxia ".
No
regime vigente da época , onde a repressão
sexual se consolidava, a análise reicheana levava a uma revolução
das instituições . Responsável
pela repressão
sexual , a família
como uma dessas instituições ,
cooperava decisivamente na propagação da ideologia
autoritária , e portanto
precisava ser revista .
Nesse
contexto repressivo ,
a libido estava reprimida, as energias sexuais
desviadas para o trabalho
e a produção consideravelmente maior .
Nesse processo , o indivíduo
se tornava neurótico e repetia sempre os
valores do Estado
Burguês Capitalista .
A explicação de Marx, por exemplo , referente a esta alienação
do sujeito pela
ideologia , servia para
o que ele
chamou "falsa consciência ".
De uma falsa consciência ,
porém , que
poderia ela
mesma estar
defasada diante das mudanças econômicas
a que este
mesmo indivíduo
estava submetido. Perguntava Marx: "como explicar a força
aparentemente autônoma
da ideologia ?" Respondia Reich: "a ideologia se
internalizava ou fixava na estrutura do caráter
do indivíduo " [17].
Vê-se
que a preocupação
de Reich não era
com a estrutura
ideológica, mas sobretudo
com a sua
internalização. Como para
Marx, a ideologia é mistificadora, mas numa linha
de atitude
das massas muito
mais do que
de uma consciência de classe
social . As massas
eram o ancoradouro onde
as ideologias autoritárias de estrutura psicológica
aportavam.
São
Paulo, PUC, 1987.
REFERÊNCIAS
BIBLIOGRÁFICAS
· CHAUÍ,
Marilena. Repressão Sexual .
São Paulo, Brasiliense ,
1984.
· FREUD,
Sigmund. O Futuro
de Uma Ilusão . Obras
Completas, Rio de Janeiro ,
Imago, 1974.
· MARCUSE,
Herbert. Eros e Civilização. Sao
Paulo: Círculo do Livro, s/d.
· REICH,
Wilhelm. Psicologia de Massas
do Fascismo . São
Paulo, Martins Fontes , 1972.
· REICH,
Wilhelm. A Revolução
Sexual . Rio
de Janeiro , Zahar Editores ,
1982.
· ROBINSON,
Paul . A Esquerda Freudiana .
Rio de Janeiro ,
Civilização Brasileira ,
1971.
· ROUANET,
Sérgio Paulo. Teoria Crítica
e psicanálise . Rio
de Janeiro , Tempo
Brasileiro , 1983.
[2]
Wilhelm Reich (24 de Março de 1896 – 3 de Novembro de 1957) foi um psiquiatra epsicanalista austríaco-americano.
Em 1933 é forçado pelo nazismo a sair da Alemanha,
mudando-se para Oslo, na Noruega,
laborando no Instituto de Psicologia da universidade local. Ali vive até 1939,
quando muda-se para Nova Iorque,
cuidando de divulgar suas idéias, agora na língua inglesa, tendo seu "A
função do orgasmo" sido neste idioma publicado a primeira vez em 1942.Nos Estados
Unidos Reich cria um
instituto para o estudo do "orgónio",
passando a fazer muitas pesquisas, inclusive para tratamento do câncer,
pesquisas essas publicadas em seu livro "A Biopatia do Câncer". Em
1954 passa a ser investigado pela FDA (Federal Food and Drug Administration),
que lhe rende um processo e posterior aprisionamento, após infrutíferas
tentativas de apelação. Reich não reconhecia outra pessoa na defesa de sua
ciência para si.Encarcerado desde 12 de março de 1957, morre de ataque cardíaco
em 3 de novembro. Foi um discípulo dissidente
de Sigmund Freud, propôs a gênese da neurose como
consequência dos conflitos de poder que se estabelecem nas relações sociais e
suas implicações emocionais e psicológicas. Reich dava grande ênfase à
importância de desenvolver uma livre expressão dos sentimentos sexuais e
emocionais dentro do relacionamentoamoroso maduro. Reich enfatizou
a natureza essencialmente
sexual das energias com
as quais lidava e descobriu que a energia orgone era
bloqueada de forma mais intensa na pélvis.
Embora divergindo de Freud, Reich deste não se apartou, na compreensão de que
toda a psique humana deriva da compreensão das funções sexuais. Suas opiniões
radicais a respeito da sexualidade resultaram em consideráveis equívocos e
distorções de seu trabalho por autores futuros e, conseqüentemente, despertaram
muitos ataques difamatórios e infundados. A função do orgasmoCom este título,
sua obra mais conhecida expõe conceitos para os quais a psicanálise freudiana
não estava preparada. Nesta obra, Reich aproxima-se, por meio transverso, de
idéias menosprezadas pelo meio científico tradicional, tais como a Teosofia e
até mesmo o Espiritismo, falando da existência de uma
substância intangível, vital, que batizara de orgone cósmico -
e que equivaleria, grosso modo, ao "prana" teosófico ou o
"fluido cósmico universal" de Kardec (Reich
desconhecia completamente o Yoga).
[3] Rio
de Janeiro , Civilização
Brasileira , 1971. p. 12
[4]
Id .
ibid. p. 14
[6] ROUANET, S. Teoria Crítica
e Psicanálise . Rio ,
Tempo Brasileiro ,
1983, p. 29.
[7] id .
ibid. ., p. 31.
[8] id .
ibid., p. 31.
[9] id .
ibid., p. 35 (os grifos
são meus )
[10] São
Paulo, Martins Fontes , 1972 p. 99
[11]
id . ibid., p. 101
[12]
op. cit. p. 39
[13] São
Paulo, Martins Fontes , 1972. p. 39
[14]
id . ibid., p. 48
[15]
id . ibid., p. 42
[16]
id . ibid., p. 45-46
[17]
ROBINSON, P. op. cit. p. 35
[18] op. cit. p. 44
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