Lourenço Leite[1]
E-mail:
lourencoleite@ufba.br
Das espumas[2]
do mar de Poseidon nasce Afrodite, a deusa da beleza, da
sensualidade, da relação com a natureza, pela via amorosa, e mãe de Eros. Todavia, seu enlace amoroso com Ares, o deus da discórdia, transformou-a
em uma das deusas mais poderosas e ambíguas. Com Afrodite, doravante, o amor e o ódio fazem parte da mesma moeda.
Estar sob sua égide é aprender a respeitar a natureza e, principalmente os
animais. Seus aposentos encontram-se em um palácio nas profundezas dos oceanos;
seu altar é a concha da pérola negra; seus cabelos doirados formam as ondas dos
mares controladas por seus marujos; sua irmã Oxum[3]
veste-se de amarelo para saudá-la nos encontros dos mares com os rios regidos
pelas tábuas das marés de Réia (lua).
É dessa mãe d´água que nasce Eros[4]
para infernizar a vida de todos os mortais que sucumbiram à razão. A
humanização de Eros se dá quando ele
conhece Psyqué[5],
a alma humana plena de paixão, emoções e sentimentos. Antes, esse jovem mancebo
divertia-se fora do Olympo ao flechar os amantes indefesos com suas flechas
envenenadas do delírio dos deuses, molhadas no néctar, bebida reservada
exclusivamente aos imortais, que levavam ao entorpecimento e a...
...cegueira da razão àqueles que eram feridos. Somente desse modo os amantes poderiam se transformar, ou seja, o amor oriundo de Eros toma por completo sua vítima e a humaniza, mesmo sem ela saber ou querer. “O amor é cego”, diz o dito popular, se visse, não transformaria. Daí se saber que o amor não tem sexo, religião, idade, status quo, profissão...
Mas, muito embora Eros tivesse o poder de seduzir e fazer
que dois seres se apaixonassem, ao conhecer Psyqué
seu veneno do amor inocula-o sem precedentes[6].
A partir daquele instante soturno Eros
havia experimentado em seu corpo a dor do amor que era reservada apenas aos
mortais.
Recolhe-se subitamente ao Olympo a fim de curar a ferida sob os
efeitos da sedação melancólica[7].
A saudade da plenitude agora era a que vivera com Psyqué... A alma humana havia contaminado o mais belo dos belos e
ele, apesar de ser estéril (desde os primórdios da engendração quando, ao
provocar a união de Géia [Mãe Terra]
com Urano [Céu] gera os filhos dos filhos numa progênie infindável) havia
gerado uma criança com Psyqué — sua
filha Volúpia, aquela que faz com que os casais permaneçam unidos pela força do
desejo. No entanto, para que os dois possam viver esse amor, será necessário
que Psyqué cumpra quatro tarefas
designadas por Afrodite que lhes
servirão de processo iniciático. Sem embargo, em não havendo iniciação, a alma
humana não poderá perceber nem vivenciar a plenitude de Eros, ou seja, não se ama em verdade sem ter passado pelas provas
de humanização.
[iv]
[iv]
N´O
Banquete de Platão, Pausânias, um dos convivas, profere um discurso sobre
essa paradoxalidade do Amor, como se segue:
[v]
Todos, com efeito,
sabemos que sem Amor não há Afrodite. Se, portanto uma só fosse esta, um
só seria o Amor; como, porém são duas, é forçoso que dois sejam também os
Amores. E como não são duas deusas? Uma, a mais velha sem dúvida, não tem mãe e
é filha de Urano, e a ela é que chamamos de Urânia, a Celestial; a mais nova,
filha de Zeus e de Dione, chamamo-la de
Pandêmia, a Popular. Ora, pois, o Amor de Afrodite
Pandêmia é realmente popular e faz o que lhe ocorre; é a ele que os homens
vulgares amam. E amam tais pessoas, primeiramente não menos as mulheres que os
jovens, e depois o que neles amam é mais o corpo que a alma, e ainda dos mais
desprovidos de inteligência, tendo em mira apenas o efetuar o ato, sem se
preocupar se é decentemente ou não; daí resulta então que eles fazem o que lhes
ocorre, tanto o que é bom como o seu contrário. Trata-se com efeito do amor
proveniente da deusa que é mais jovem que a outra e que em sua geração
participa da fêmea e do macho. O outro, porém é o da Urânia, que primeiramente
não participa da fêmea, mas só do macho — e é este o amor aos jovens — e depois
é a mais velha, isenta de violência; daí então é que se voltam ao que é másculo
os inspirados deste amor, afeiçoando-se ao que é de natureza mais forte e que
tem mais inteligência.
![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEjcuq_fck58OeNMiC-Ky38tDmvx7PR2RDk08aOOC2nE87HJo0tcKMbIno2XAasuZz2goTqZmCqjKUqo8yLUZYr70S_QkYOFfL9vgydVCrsYRbRJuiOW6AaMIi33WuaZTJL6fnf7oTcyN8o/s200/psique.jpg)
Paradoxalmente, apesar de o amor possuir
essa dupla face, é preciso que se re-humanize para aceder à força de Eros e, consequentemente, para que Eros prove do amor humano faz-se
necessário sua experiência da falta em sua carne, que, doravante, não é mais
puramente divina. Parafraseando as palavras de S. João (cap. 1, vss 1 e 14)
sobre o Princípio: “No princípio era o Verbo (Eros) ... e o Verbo se fez carne e habitou entre nós...” daí inicia
o desespero divino perante a existência que vai se consumar na morte de cruz do
Cristo[8].
Albert Camus, esse ateu, místico, revela o que ocorreu antes de tudo ser
consumado na noite aterradora do Getsêmani em que o Cristo transpirou sangue ao
sentir-se abandonado, traído e com o peso da redenção de todos os homens, desde
Adão e Caim:
A noite do Gólgota só
tem tanta importância na história dos homens porque nessas trevas a divindade,
abandonando ostensivamente os seus privilégios tradicionais, viveu até o fim,
incluindo o desespero, a angústia da morte. (...) Para que o deus seja um
homem, é preciso que ele se desespere. Esse estranho olhar que ainda não era o
seu (...) Só o sofrimento de Deus, e o
sofrimento mais desgraçado, podia aliviar a agonia dos homens. Se tudo, sem
exceção, do céu à terra, está entregue à dor, uma estranha felicidade é então
possível[9].
A
estranheza da felicidade em Camus só pode ser entendida como a tomada de
consciência do que se é. O Cristo naquele momento de desespero sabia que iria
experimentar, em totalidade, a dor em sua carne sem a sedação espiritual de
Deus, seu Pai.
[vi] ![](https://blogger.googleusercontent.com/img/b/R29vZ2xl/AVvXsEgxUbqDpCN3W2Bq2HA5rSaJaREQXM86MbOk1Qkka2-5jPqD4LZSo3hgSm3_WrsFIjalm22uQaGFdlRMI1znKdCrIGpcE8Zdf6kFT21mRNo9Equ444KXzdzhMbQiJZ9DtlFxRyhu9uuvrs0/s200/salvador+dali-crucifica%C3%A7%C3%A3o.jpg)
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Sem o mito de Eros e Psyqué não se
poderia vislumbrar a Melancolia divina. Melancolia
essa que desencadeara a inveja do humano. Eros
não poderia mais viver sem o sabor da densidade da alma humana; sem sentir a
dor da ausência de outrem em sua carne[10];
sem o perfume das flores e orvalho das árvores; sem o calor do sol e o brilho
da lua; sem o gemido do prazer e do gosto do beijo de Psyqué[11].
Doravante, os deuses foram humanizados e os homens divinizados. A
transcendência houvera visitado a humanidade para sempre e para sempre deseja
retornar. Bastando apenas que seja evocada[12].
Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre
os demais se encontrava também o filho de Prudência[14],
Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza,
e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar — pois vinho ainda
não havia — penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então,
tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu
lado e pronto concebe o amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gera em seu natalício, ao
mesmo tempo em que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de
Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é
sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina Mas
duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao
desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a natureza da mãe, sempre convivendo com a
precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e
corajoso, decidido e energético, caçador terrível, sempre a tecer maquinações,
ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível
mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e ao
mesmo dia, ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo
ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de
modo que nem empobrece nem enriquece, assim como também está no meio da
sabedoria e da ignorância. Eis, com efeito, o que se dá. Nenhum deus filosofa
ou deseja ser sábio — pois já é —, assim como se alguém mais é sábio, não
filosofa.
Curiosamente, uma das alegorizações
feitas de Saturno (Tempo) na Idade Média era a de um mendigo debilitado, doente
e manco, vestido de trajes rotos e acompanhado de um cão. A mesma imagem se
encontra no sincretismo religioso[15]
brasileiro em que São Lázaro e São Roque, respectivamente representados no
Candomblé por Obaluayé/Tempo e Omolu/Tempo, igualmente, são vistos como
portadores de chagas e acompanhados por um cão a viver como andarilhos. Possuem
grande sabedoria e experiência de vida; podem ser grandes videntes e
curandeiros e são encontrados nos caminhos. Demonstram uma profunda e tênue Melancolia
que não se pode apreendê-la. Há certa ambigüidade melancólica que revela algo
de transcendental[16]
e, ao mesmo tempo, de errância existencial fruto da “queda” na vida mundana.
Abaixo, à direita, pode-se vislumbrar um dos mais célebres e enigmáticos desenhos
criado por
Albrecht Dürer (1471-1528) intitulado de Melencolia
I que retrata esse estado melancólico (de um lado encarnando o ideal
alegorizado de uma faculdade mental criadora e de outro a imagem terrificante
de um estado de espírito destruidor[17])
acompanhado de símbolos surpreendentemente ligados a Tempo: ampulheta, escada,
balança, sino, anjo com asas em prostração, mão no queixo[18],...
(em seguida abaixo, pinturas renascentistas que ilustram esse modo de ser)
...livro
de cadeado, cão deitado aos seus pés, compasso, relógio solar, o círculo, o
poliedro, casa sem janelas, turíbulo, arco-íris etc. Hélène Prigent integrante
da Reunião dos Museus Nacionais de França, em sua grandiosa obra sobre a Melancolia[19]
interroga sobre a mulher alada no desenho de Dürer: Se o olhar estiver de fato concentrado,
como o indicam os olhos abertos para um ponto invisível, o é em alguma coisa
que se encontra fora da gravura, a menos que esse olhar esteja somente absorto
em si mesmo, refletindo. O caráter enigmático da gravura suscitou muitas
interpretações. O que seria essa gravura
emblemática como uma nova concepção da Melancolia inaugurada pela Renascença?
O surgimento da modernidade como caráter
primordial do humanismo renascentista, não se evidencia apenas no campo das
artes e da literatura, mas, sobretudo na filosofia como pensamento de uma nova
era da existência humana. Descartes, em França, com seu reducionismo do
conhecimento racional, integrará, definitivamente a concepção de mundo, de
homem e de moral aos ditames exclusivos da Razão. Estava decretada a falência
do real, do simbólico e de Eros. O
vazio desolador da gravura de Dürer será o ponto de partida da descrição
representativa da Melancolia do homem ocidental sob a égide
do império europeu. O mundo acadêmico,
científico e político propagarão esses ditames da Razão, excluindo
gradativamente todos os resquícios do conhecimento simbólico. Não haverá mais
lugar para a conceituação da realidade existencial. Tudo advirá dos moldes
teóricos e ideológicos sobre o quotidiano. Deus começa a agonizar na solidão do
Getsêmani. Todavia, Eros permanece
impávido. Continua a azucrinar a vida dos mortais, mesmo os racionalistas, e se
mostra sob suas poliformes aparências.
Visto desse modo, ou seja, com essas marcas
caracterológicas, Eros adquire uma
forma de ambigüidade nunca encontrada nas personalidades dos deuses. O fato de
possuir grande riqueza e, ao mesmo tempo, viver na mais extrema pobreza, faz
desse deus alguém que se mostra na mais perfeita dubiedade existencial. Estar-se
apaixonado é a prova mais cabal dessa caracterologia de Eros. É quando se vive o extremo mais radical dos sentimentos
amorosos. Em um dado momento se experimenta a mais plena e perfeita harmonia do
amor como se fosse eterno e, em outro, a mais dolorosa carência e o mais
doloroso sofrimento pela ausência do/a amado/a. Se houver traição por parte
do/a amado/a, esse amor no/a amante se transforma no mais cruel e aterrador dos
sentimentos humanos: o ódio[20].
Representado na antiguidade grega pelo “Furor” [21]
divino. Daí que furor e Melancolia são estados
psicológicos sinonímicos. Em contrapartida, temos a Melancolia
apática vivida pelos monges que se denominou chamar de Acedia[22],
no período clássico antigo, sob influência do demônio do meio-dia Belphegor[23].
Por
conseguinte, no transe pessoal de Sócrates, sob efeito do seu daímon, Eros é redimido como um gênio que habita entre a mortalidade e a
imortalidade humana, trazendo à luz da filosofia o seu real sentido. Desse
modo, o Amor, apesar de não se saber exatamente o que Ele é nem de onde provém,
alivia a angústia, não somente dos discípulos de Sócrates em casa de Agatão
quando do Banquete, mas a todos aqueles que buscam uma explicação para esse
torpor sem cura. Explica Diotima a Sócrates:
...com efeito, tudo o que é gênio
está entre um deus e um mortal. — E com que poder? Perguntei-lhe. — O de
interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que
vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e
as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa,
de modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que
procede não só toda arte divinatória, como também a dos sacerdotes que se
ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim de toda
adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse
ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quando
despertos como quando dormindo; e aquele que em tais questões é sábio é um
homem de gênio[24],
enquanto o sábio em qualquer outra coisa, arte ou ofício, é um artesão. E esses
gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor.
Por consequência, se Eros habita entre os dois pólos da existência (finita e infinita)
não possui morada fixa em nenhum lugar, ora está numa extremidade, ora está em
outra. O que lhe sobra como estado duradouro é a Melancolia.
Deseja estar sempre no alhures, contudo, encontra-se sempre no aqui e agora. Em
sendo assim, assemelha-se igualmente a Hermes, o mensageiro dos deuses na
mitologia grega e a Exú[25]
no sincretismo religioso baiano do candomblé.
O ARQUÉTIPO DE EXÚ — Os filhos de
Exú possuem um caráter ambivalente, ora são pessoas inteligentes e
compreensivas com os problemas dos outros, ora são bravas, intrigantes e ficam
muito contrariadas. As pessoas de Exú não têm paradeiro, gostam de viagens, de
andar na rua, de passear, de jogos e bebidas.
Mas, afinal quando é que Eros contamina sua vítima indefesa?
Todos os humanos estão à mercê dele ou simplesmente alguns dentre os demais têm
o privilégio de ser inoculado com seu vírus? A explicação mais plausível é a
que se encontra na mitologia: todo herói deve passar pela jornada iniciática a
fim de adquirir a consciência e a capacidade de realizar sua missão no mundo.
Um dos ritos de passagem é aprender a viver a humildade, elemento primordial da
humanização. Sem a humildade não há transformação de seu ser para acolher o
mistério do sagrado que lhe é revelado pela sua divindade protetora. Esse
paradoxo do resgate da humanidade se dá pelo fato que, desde os primórdios, ou
seja, desde “a queda”, que o Homem se distanciou de sua real natureza. Haja
vista o que ocorre na epopéia de Gilgamesh. Enkidu, seu amado, em verdade, é
sua faceta natural que cedeu lugar apenas ao homem civilizado pela cultura. A
iniciação se efetiva em todos que possuem o dom da reparação.
Eros, todavia, empreende o mesmo procedimento. Só pode
atirar sua flecha envenenada do Amor se o/a amante estiver predisposto/a em
acolher o outro enquanto outro. O Amor não incide sobre a homogeneidade. A
alteridade é o lugar por excelência de acolhimento de Eros. A esse respeito, Ollivier Pourriol, em sua inusitada obra Cinefilô — As mais belas questões de
filosofia no cinema; descreve, com base no pensamento de Spinoza, essa
forma do amor que causa algo no indivíduo:
No amor há, o mais das vezes, alguma coisa
de exterior. A menos que sejamos capazes de nos amar a nós mesmos, amar incide
sobre alguma coisa ou alguém diferente.
Amar não depende apenas de nós. Amar é depender. Depender de um objeto
que pode sempre nos escapar, uma vez que não formamos senão um com ele. Se
amamos uma pedra é fácil, podemos ficar tranqüilos guardando-a em casa ou
conosco. Impossível fazer a mesma coisa com um homem ou uma mulher. A bem da
verdade, não podemos sequer ter certeza de que a pedra nunca será roubada,
perdida ou quebrada. Na medida mesma em que ela nos é exterior, em que não faz
parte de nós, dependemos dela se a amamos. Amar um ser humano é ainda menos
fácil, por dois motivos, pois, primeiramente, não estamos seguros do amor do
outro, e, em segundo lugar, não temos certeza da duração, da perenidade desse
amor. (...) nada depende menos de nós
que os sentimentos[26].
Em sendo assim, o mito
narrado por Aristófanes em O Banquete
de Platão, adquire o seu revês. Em verdade não se procura a outra metade,
contudo, procura-se e almeja-se encontrar a diferença — daí a homossexualidade
não tem justificação para o amor se for apenas baseada no sexo. A alteridade do
outro, salvo a tautologia, se revela no conluio da relação posta em movimento e
no seu entendimento da subjetividade. Desse modo, o sexo transmuta-se em
sexualidade e deixa de ser instinto natural. Essa concepção se ajusta à mesma
de Aristóteles ao definir o que é a Ética das Virtudes em sua obra Ética a Nicômaco[27].
Sem o agir, (práxis[28])
não se pode ser ético, não há ser ético sentado numa poltrona esperando o bonde
da existência passar.
O efeito de Eros
na pessoa humana substitui a iniciação mítica, pois faz vir à tona a humildade
como virtude do ser e a põe no reino da serenidade. O ser apaixonado, em
contrapartida, ainda não experimenta essa virtude; seus sentimentos são
viscerais, impetuosos, plenos de ciúmes, arrebatadores, efêmeros e transitam
entre o furor e a serenidade.
Em
se tratando dos ciúmes, vale verificar o que Spinoza relata a esse respeito:
Se imaginarmos que alguém se apega à coisa amada com o
mesmo laço de amizade — ou um mais íntimo — do que aquele sobre o qual tínhamos
posse exclusiva seremos afetados de ódio pela própria coisa amada e invejaremos
o outro[29]. Completa com o
escólio, Pourriol (...) o ódio e o amor misturam-se mal, uma
vez que, se o ciúme, no início, continha igualmente amor, o ódio termina por se
revestir da pele do amor e, diz Spinoza, por aniquilá-lo completamente. O amor
afogou-se no ódio; o ciúme começa pelo amor, mas termina no ódio[30].
Pelo visto é o que Platão mostra n´O Banquete quando da súbita chegada de Alcebíades em casa de
Agatão. Completamente embriagado, expõe seu desejo incoercível que nutria por Sócrates
perante todos os convidados. Platão se apropria dos discursos para demonstrar a
diferença filosófica entre a paixão dos jovens e o amor dos homens mais velhos,
particularmente o de Sócrates, o amor filosófico puro (castidade), o amor que
desejava além da beleza do corpo, posto que almejasse o Belo e Bom. Ideal grego
que se consolida com a gênese da filosofia. Em seguida, retruca Sócrates aos
apelos de Alcebíades:
—
Caro Alcebíades, é bem provável que realmente não sejas um vulgar, se chega a
ser verdade o dizes a meu respeito, e se há em mim algum poder pelo qual tu te
poderias tornar melhor; sim, uma irresistível beleza verias em mim, e
totalmente diferente da formosura que há em ti. Se então, ao contemplá-la,
tentas compartilhá-la comigo e trocar beleza por beleza, não é em pouco que
pensas me levar vantagens, mas ao contrário, em lugar da aparência é a
realidade do que é belo que tentas adquirir, e realmente é “ouro por cobre” que
pensa trocar. No entanto, ditoso amigo, examina melhor; não te passas
despercebido que nada sou. Em verdade, a visão do pensamento começa a enxergar
com agudeza quando a dos olhos tende a perder sua força; tu, porém estás ainda
longe disso.
(Vale ressaltar que na Grécia clássica em que
predominava a Ephebia/Pederastia quem
amava era o/a amante, nunca o amado. Essa tradição era uma instituição em
consonância com as famílias dos jovens ephebos (de 14 a 21 anos) entre homens
mais velhos. Em
Atenas este indivíduo mais velho era chamado de erastes, e
sua função era a de educar, iniciar na sexualidade, proteger, amar e agir como
um exemplo para seu amado — chamado de eromenos,
cuja recompensa para seu amante estaria em sua beleza, juventude e potencial.
Quando eram convocados para a guerra, permaneciam
sempre juntos como amantes e nos front´s de batalha eram insuperáveis — Exemplo
disso havia o amor incondicional de Aquiles por Pátroclo; o de Zeus por
Ganymedes; o de Jacinto por Narciso; O de Alexandre, o Grande por Heféstion; o
de Laio [pai de Édipo] por Crisipo; o de Apolo por Jacinto; o de Hércules por
Abdero e inúmEros
outros — posto que, segundo Platão, o verdadeiro amor só poderia ocorrer entre
homens. O amor do homem para com uma mulher se restringia apenas a procriação.
Outrossim, verificou-se o amor homoerótico/homossexual na tradição semita,
particularmente na mesopotâmia entre o rei de Uruk, Gilgamesh e Enkidu; e na
tradição hebraica entre o rei Davi e Jônatas. Não se pode olvidar dos inúmeros
exemplos de homoeroticidade e de homossexualidade no campo das Artes (Pintura,
Escultura, Música), da Literatura e do Cinema, quase sempre acompanhados do
sinete da Melancolia).
O desespero de Alcebíades diante da indiferença de
Sócrates é a prova cabal da atitude do amado que ainda não pode vislumbrar o
que é o Amor; nem pode ter as rédeas da conquista. Sua paixão o cega e o deixa
depressivo e triste. Far-se-á, então necessário distinguir a paixão da
verdadeira ação em que o agente está implicado. Resume Pourriol num dos escólios
da Ética de Spinoza: (...) paixão
distingue-se de ação. Padecer é sofrer alguma coisa do exterior, é não estar
integralmente na origem do que sentimos, é ser, no melhor dos casos, sua causa
parcial. Agir é estar por inteiro na origem, essa é a causa adequada do efeito
que provocamos e do efeito que sentimos. Agir é manifestar sua potência. Sofrer
é ser separado de sua potência[31].
Com efeito, ser melancólico implica peremptoriamente em
se estar inteiramente na origem da causa. O estado de Melancolia, por
conseguinte, oriundo da verdadeira experiência do absoluto não se faz presente no
efeito da paixão porque precisa sair do âmbito da efemeridade. O Amor, por
conseguinte, além de ser duradouro, leva á transcendência do indivíduo, pois,
assim como Sócrates, contempla a “coisa em si”, isto é, o Belo que é igualmente
Bom. Daí se originar a Eudaimonia
grega, desde Sócrates a Aristóteles, como sendo a fonte do gênio bom que conduz
não somente à sabedoria, mas igualmente ao Amor.
Contudo, na Antigüidade, os médicos observaram que o
amor é uma paixão próxima da enfermidade melancólica e, nos tratados do séc.
XVII eram descritos como portadores do mal da bile negra. Agamben, em sua obra Estâncias[32],
descreve como se dera esse processo doentio que levara os enamorados a
subverterem-se em lascivos e concupiscentes: o
próprio processo do enamoramento converte-se nesse caso no mecanismo que abala
e subverte o equilíbrio humoral, enquanto, inversamente, a empedernida
inclinação contemplativa do melancólico o empurra fatalmente para a paixão
amorosa. A obstinada síntese figurativa que daí resulta e que leva Eros a assumir os obscuros traços saturninos do
temperamento mais sinistro continuaria presente durante séculos na imagem
popular do enamorado melancólico[33].
Acrescenta Agamben ao se referir sobre
a proximidade substancial entre a patologia erótica e a melancólica nas
expressões encontradas na obra de Ficino, De
amore:
Para
onde quer que se dirija a intenção assídua da alma, para lá afluem também os
espíritos, que são o veículo ou os instrumentos da alma. Os espíritos são
produzidos no coração com a parte mais sutil do sangue. A alma do amante é
arrastada para a imagem do amado inscrita na fantasia e para o próprio amado.
Para lá também são atraídos os espíritos e, no seu obsessivo vôo, acabam aí.
Por isso é necessário um reabastecimento constante de sangue puro a fim de
recriar os espíritos consumidos, ali onde as partículas mais delicadas e mais
transparentes do sangue exalam todo o dia a fim de regenerar os espíritos. Por
causa disso o sangue puro e claro se dilui e não sobra senão o sangue impuro,
espesso, árido e escuro. Assim, o corpo se disseca e deteriora, e os amantes
tornam-se melancólicos (...)[34].
Visto desse modo, à luz do terrorismo
clínico da Antigüidade e dos tratados modernos sobre o melancólico, só resta
concluir que o Amor proveniente de Eros
é um perigo irremediável para a humanidade. A sanção àqueles que abusam do amor
é a de transformar, segundo Ficino, ao que compete à contemplação em desejo de
abraço.
À guisa de
inferência desse texto sobre a ambigüidade do Amor, Agamben, ao tratar do
temperamento melancólico, acrescenta: a
intenção erótica que desencadeia a desordem melancólica apresenta-se aqui como
aquela que pretende possuir e tocar o que deveria ser apenas objeto de
contemplação, e a trágica insanidade do temperamento saturnino encontra assim a
sua raiz na íntima contradição de um gesto que pretende abraçar o inapreensível[35].
Daí a Melancolia
de Eros...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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AGAMBEN, Giorgio. Estâncias. Belo Horizonte: editora UFMG,
2007.
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ARISTÓTELES. O homem de gênio e a Melancolia
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BERKENBROCK, Volney J. a experiência dos orixás. Um estudo sobre a
experiência religiosa no candomblé. Petrópolis: Vozes, 1999;
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BRANDÃO, Junito de Souza. Eros e Psiqué. In: Mitologia Grega. Petrópolis, Vozes, 1988, Vol. II;
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CAMUS, Albert. O homem revoltado. Rio de Janeiro: Record, 1997;
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illustrée des histoires, Gallimard, 1989;
7.
LEITE, Lourenço. Do simbólico ao racional. Ensaio sobre a
gênese da mitologia grega como introdução à filosofia. Salvador: Secretaria
da Cultura/EGDA, 2001;
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MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. São Paulo: s/n,
Edit. Círculo do Livro;
9.
PAIXÃO, Márcio Petrocelli. O problema da felicidade em Aristóteles.
Apresentação Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Pós-Moderno, 2002;
10. PLATÃO.
O banquete. Trad. e Notas José
Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1979;
11. POURRIOL,
Ollivier. Cinéfilo – as mais belas
questões da filosofia no cinema. Tradução André Telles. Rio de Janeiro:
Jorge Zahar Ed., 2009;
12. PRIGENT,
Hélène. Mélancolie – les métamorphoses de
la dépression. Paris: Gallimard, 2007;
13. SPINOZA.
L´Éthique. Paris: Gallimard, 2010;
[1] Professor de Filosofia e Ética da
Universidade Federal da Bahia. Atualmente desenvolve pesquisa sobre O Tempo e a
Melancolia da Alteridade com ênfase na Literatura e no Cinema.
[2] Há duas versões sobre o
nascimento biológico desta Deusa. Na versão de Homero, Afrodite nasce de modo
convencional, como sendo filha de Zeus e Dione, ninfa do mar. Já na versão de
Hesíodo, ela nasce em conseqüência e um ato bárbaro. Cronos cortou os órgãos de
seu pai Urano e os atirou ao mar. Uma espuma branca surgiu em torno deles e
misturando-se ao mar, gerou Afrodite. Sendo assim, Afrodite é filha do Céu e do
Ar, a Deusa Mãe original em muitas tradições, e o primeiro fruto da separação
do céu e da terra. Como foi gerada no mar, é a filha do começo, é a figura que,
igual a Deusa original, volta a unir as formas separadas de sua criação. Nesse
sentido, Afrodite "nasce" quando as pessoas recordam, com alegria, o
vínculo que une os seres humanos com os animais e com toda a natureza e ainda,
quando percebem esse vínculo como uma realidade clara e sagrada. O mito sugere
que isso aconteceu mediante o amor. A união se converteu em reunião, pois o
amor que gera vida se faz eco do próprio mistério da vida. (fonte: http://recantodosdeuses.blogspot.com/2010/02/afrodite.html)
[3] Oxum — é um Orixá feminino
da nação Ijexá,
adotada e cultuada em todas as religiões
afro-brasileiras. É o Orixá das águas
doces dos rios e cachoeiras,
da riqueza, do amor, da prosperidade e da beleza. Em Oxum, os fiéis
buscam auxílio para a solução de problemas no amor, uma vez que ela é a
responsável pelas uniões, e também na vida financeira, a que se deve sua
denominação de "Senhora do Ouro", que outrora era
do Cobre, por ser o metal mais
valioso da época. Na natureza, o culto a Oxum costuma ser realizado nos rios e nas cachoeiras e, mais raramente, próximo às fontes de águas
minerais. Oxum é símbolo da sensibilidade e, muitas vezes, derrama lágrimas ao
incorporar em alguém. Característica que se transfere a seus filhos,
identificados por chorões. No Candomblé Bantu — a Nkisi Ndandalunda,
Senhora da fertilidade e da Lua, muito confundida com Hongolo e Kisimbi, tem
semelhanças com Oxum. E no Candomblé Ketu — Divindade das águas
doces, Oxum é a padroeira da gestação e
da fecundidade,
recebendo as preces das mulheres que desejam ter filhos e protegendo-as durante
a gravidez.
Protege, também, as crianças pequenas até que comecem a falar, sendo carinhosamente chamada de Mamãe por seus devotos. No sincretismo
religioso católico é representada por N. S. da Conceição (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Oxum).
[5] Psiqué era o
conceito grego para o self ("si-mesmo"), compreendendo as idéias
modernas de alma, ego e mente. Significava originalmente "alento" e
posteriormente, "sopro". Dado que o alento é uma das características
da vida, a expressão "psiqué"
era utilizada como um sinônimo de vida e por fim, como sinônimo de alma,
considerada o princípio da vida. A psiqué
seria então a "alma das sombras" por oposição à "alma do
corpo" (N. do A.).
[6] “Excerto do mito de Eros e Psiqué: Eros ao seu lado
dormia tranqüilamente. Como fora de si, a jovem esposa reuniu todas s suas
forças: numa das mãos o candeeiro, na outra o punhal. Muito de leve aproximou a
luz do rosto do marido. Estava revelado o grande segredo: viu a mais delicada,
a mais bela de todas as feras. Eros, o deus do amor, ali estava diante de seus
olhos. A jovem empalidece, treme, cai de joelhos. Olhando-o contempla-o
embevecida e "especulando-o", Psiqué, como Narciso, não mais pôde
tirar os olhos dele. Quis matar-se, mas o punhal se lhe resvalou da mão.
Percebendo ao lado do leito a aljava e as flechas do deus, ao tocá-las, acabou
ainda por ferir-se com uma delas. Agora, mais que nunca, sua paixão seria
eterna. Inflamada de amor, inclina-se sobre ele e começa a beijá-lo como louca.
Esquecida do candeeiro deixa-o curvar-se em demasia e uma gota de óleo fervente
cai no ombro do deus adormecido. Eros desperta num sobressalto e, ao ver
desvendado seu segredo, levantou vôo no mesmo instante; sem dizer uma só
palavra, afastou-se rapidamente da esposa. Esta ainda tentou segui-lo através
das nuvens, segurando-lhe a perna direita, mas exausta, caiu ao solo”. (Fonte: BRANDÃO,
Junito de Souza. Mitologia Grega. pp. 209-220. Vol. II).
[7] Atitude semelhante pode-se verificar
na filosofia contemporânea em Merleau-Ponty (1908-1961), a situação paradoxal
do homem autêntico que simultaneamente se retira do mundo para refletir e nele
se põe para agir (Verbete do Dicionário Houaiss).
[8] Em grego Khristós, significa “o Ungido”, transliterado do hebraico para o
português Masiah “o Messias”.
[9] CAMUS, O Homem Revoltado,
p.50-52.
[10] Vale ressaltar que Eros
tão-somente sente o odor e o prazer da vida quando encarna no mundo do humano. Isso
se devia quando visitara Psyqué. No Olympo não há vida, unicamente ser. Isto é,
não há existência. Os deuses apenas são. (N. do A.).
[11] O bem causado e causa de Eros
ainda nos põe numa atitude de grande ambigüidade. Como se pode entender essa
anterioridade como causa de todos os bens se com eles advêm às piores dores e
os piores ódios que um ente pode suportar...? Eros, a guisa de Afrodite, antes
de seduzir Psiqué, não conhecia o sabor da sensação que somente o corpo pode
dar. Todavia, ao vir todas as noites, soturnamente, quedar com Psiqué, pouco a
pouco, foi percebendo o quanto se pode experimentar de algo que nele
mantinha-se em suspensão. É, definitivamente, Psiqué que o encerra na mais
sutil e mais densa experiência humana que nenhuma divindade conhecera... a de
sentir a presença/ausência do amor. Nesse paradoxo inelutável, Psiqué,
igualmente, confortara-se em possuí-lo somente na calada da noite à espera do
dia. O brilho da luz era somente da lamparina do quarto sugando o óleo de oliva
de forma interminável. Contudo, o dia adviera-se sem pedir licença e lançara
Eros de volta ao Olimpo. (N. do A.).
[12] Na religião afro-brasileira esse
reencontro é costumeiro, principalmente no culto aos caboclos (ancestrais
indígenas) e aos boiadeiros que reincorporam seus filhos iniciados e podem
re-experimentar a essência da vida. Em se tratando dos Orixás e Nkisis, não há
incorporação, apenas sintonização, pois, se houvesse o filho ou filha de santo
não suportaria tamanha energia em sua finitude. Por isso que esses seres não
costumam se pronunciarem pela fala humana. Quando precisam se comunicar, ou o
fazem pelo jogo dos búzios ou pelos Erês (N. do A.). Erê — designação para a
situação de transe suave que pode ocorrer após o transe profundo. Também se diz
que o Erê é uma qualidade infantil do Orixá. Nesta condição de transe, o Orixá
pode transmitir mensagens às pessoas (fonte: BERKENBROCK, Volney. A experiência
dos Orixás. p. 442).
[14] Prudência — era representada na
mitologia grega por Sophrosyne.
[15] Com permissão da tradição afro-brasileira, o Candomblé baiano,
poder-se-ia, por analogia, identificar essas características de Tempo, no Orixá
Tempo e nas suas derivações: Omolu Tempo (representa o pólo negativo da
natureza em contrapartida a Yemanjá que representa o pólo positivo) e em
Obaluayé Tempo que presidem tanto a doença como a cura, a vida e a morte, a
fertilização da Terra, o ocultamento do mistério do sagrado, o silêncio e a
solidão e que se ligam, transcendentalmente ao Céu, i. é., ao mundo espiritual
— sua saudação é ATOTÔ = que significa “silêncio” e sua grande amiga é Yansã
que o fez se livrar das chagas em seu corpo transformando-as em pipocas, daí se
celebrar as segundas-feiras com banhos de flor (pipocas) como proteção dos
deuses para livrar das doenças e dos males do mundo (N. do A.).
[16]
Sobre
essa necessidade de transcendência, segue um excerto da obra de Marcuse, Eros e
Civilização: A luta contra o tempo
desencadeia-se a partir dessa posição: a tirania do devir sobre o ser deve ser
quebrado, se o homem quiser tornar-se ele mesmo num mundo que seja realmente
seu. Enquanto existir o incompreendido e inconquistado fluxo do tempo — uma
perda sem sentido, o doloroso “era” que nunca mais voltará a ser — o ser
conterá a semente de destruição que perverte o bem em mal e vice-versa. O homem
só se torna ele mesmo quando a transcendência for conquistada — quando a
eternidade se tornar presente no aqui e agora (p.110).
[17] KLIBANSKY. Saturne et La mélancolie. p. 494
[18] Esse gesto se notabilizou a
partir da Renascença como representante da pessoa em estado melancólico. Que de
um lado poder-se-ia imaginar um estado de profundo luto ou de outro em
contemplação do nada (N. do A.)
[19]
PRIGENT, Hélène. Mélancolie – les métamorphoses de la
dépression. Tradução: Sônia Girard. p. 47
[20]
“Quanto mais um homem controla suas tendências em relação a outros, mais
tirânico, isto é, mais agressivo se torna em seu ego-ideal... mais intensas se
tornaram as tendências agressivas do seu ego-ideal contra o seu ego”. Levada ao
extremo, na melancolia, “uma pura cultura do instinto de morte” pode influir no
superego, convertendo este numa “espécie de local de reunião para os instintos
de morte” (MARCUSE, Eros e Civilização, p. 159.)
[21] Aristóteles, em seu Problema
XXX, destaca como estado de “furor” aquele vivido por alguns heróis míticos,
tais como Hércules, Ajax e Aquiles. (N. do A.).
[22] Longe das costas da Grécia, uma
nova etapa na definição da melancolia se cumpre nos desertos do Egito e da
Síria. No início do século IV, cristãos resolvem praticar a anacorese, que quer dizer retirar-se
para o deserto, a fim de romper com uma sociedade que eles julgam estar em
agonia. Entre esse momento que vê nascerem as primeiras vocações de vida no
deserto — a de Antonio, de Pacomo, de Macario... — e o final dos anos 300,
verdadeiros focos de anacoretas nascem, os mais importantes sendo Nitria e as
Kellias no sudeste de Alexandria, e contam respectivamente, segundo o bispo
Pallada, 5000 e 650 monges. É nesses lugares desérticos que os anacoretas
experimentam uma melancolia particular: a acedia. (fonte: PRIGENT, Hélène.
p. 22-23).
[23] Belphegor ou Belfegor ("o
senhor do fogo"), divindade moabita venerada
no monte Fegor. Demônio da preguiça, das descobertas e dos inventos. Era cultuado na
antiga Palestina na
forma de uma figura barbuda, com a boca aberta, tendo por língua um gigantesco falo. O sabá dos
feiticeiros da Idade Média não foi senão uma repetição, herança das festas de
Belfegor. Belphegor é um dos sete princípes que governam o Inferno, sendo a
personificação do primeiro pecado, a preguiça. Sua aparência modifica-se de
acordo com a citação, desde um ser bestial (semelhante a um lobo) até um velho
alto, barbudo, possuindo uma língua com forma de falo, dentes caninos grandes e
uma cauda de dragão. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Belphegor).
[24] A expressão grega é daimonios anhr,
isto é, homem marcado pelo gênio, pela divindade daimon.
Nossos correspondentes “genial” ou “de gênio” derivam para a idéia de talento.
(N. do T.)
[25] Exu (Èsù) é a figura mais
controversa do panteão africano, o mais humano dos orixás, senhor do princípio
e da transformação. Deus da terra e do universo; na verdade, Exu é a ordem,
aquele que se multiplica e se transforma na unidade elementar da existência
humana. Exu é o ego de cada ser, o grande companheiro do homem no seu
dia-a-dia. Muitas são as confusões e equívocos relacionados com Exu, o pior
deles associa-o à figura do diabo cristão; pintam-no como um deus voltado para
a maldade, para a perversidade, que se ocuparia em semear a discórdia entre os
seres humanos. Na realidade, Exu contém em si todas as contradições e conflitos
inerentes ao ser humano. Exu não é totalmente bom nem totalmente mau, assim
como o homem: um ser capaz de amar e odiar, unir e separar, promover a paz e a
guerra (Nota disponibilizada no site: http://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/exu/.)
[26] POURRIOL, Ollivier. Ibidem, p.
120
[27] Sugere-se uma das melhores
traduções em português aquela realizada pela editora UNB da Ética à Nicômaco.
[28] O termo práxis é traduzido para o
português por “ação”. É distinto do sentido do termo poiésis, ligado na tradição grega à “arte” (téchne, a “atividade produtiva”, poietiké). O alcance do termo práxis é sempre ético, não designa,
pois, qualquer espécie de “ação”, mas aquela que se vincula à conduta humana
boa ou má. Fonte: Márcio Petrocelli Paixão, O Problema da Felicidade em
Aristóteles, p.39.
[29] SPINOZA. L´Éthique. Tradução: André Telles. In: cinefilô, p.123.
[30] POURRIOL, Ollivier. Ibidem,
p.130.
[31] POURRIOL, Ollivier. Ibidem, p.133.
[32] Estâncias (Stanze) de Giorgio Agamben
é o título de uma de suas obras fundamentais sobre a reflexão da melancolia e
da poesia como âmbito do real, i. é., cômodo em que se abriga a essência das
artes e da literatura.
[33] Ibidem, p. 40-41.
[34] Ibidem, p. 41.
[35]
Ibidem, p.42
Lista de Ilustrações:
[ii] Disponibilizado no site:
http://andreaalves.blog.br/wp-content/uploads/2011/06/ares_afrodite.jpg
[iii] Disponibilizado no site: http://www.caboclotabajara.com.br/oxum_75.html
[iv] Eros e Psiqué – escultura do acervo do
museu do Louvre - Paris
[v] Imagem de autor desconhecido.
[vii]
O Cristo de São João da Cruz por
Salvador Dali (1951) – Museu e Galeria de Arte de Kelvingrove, Glasgow
[viii] Luis Lagrenée – La Mélancolie, 1785,
museu do Louvre - Paris
[ix] Saint
Jean – Deodato di Orlando, séc XIII, Francfort
[x]
Gérard de Saint-Jean – Saint Jean Baptiste (1480/5), museu de Berlin
[xi] Mestre de Estrasburgo, séc. XV, museu da
obra de Notre Dame, Estrasburgo
[xii] Ilustração do Opusculum Scholae
Salernitanae...ed. Johannes Curio, Francfort, 1557
[xiii] Gravura de Albrect Dürer (1471-1528)
[xiv] La Mélancolie de Jacob II de Gheyn,
1596, Amsterdam
[xv] Belphegor — Ilustração do Dictionnaire Infernal ou Dicionário Infernal (em língua portuguesa) é um livro sobre demonologia ilustrada,
organizada em hierarquias infernais, escrito por Jacques
Auguste Simon Collin de Plancy e
publicado no ano de 1818.
[xvi] Imagem de Exú - http://guardioesdaluz.sites.uol.com.br/exu.htm
[xvii] Jules le Chevrel (1865) – Sócrates
afastando Alcebíades do vício.
[xviii] Um jovem nu toca o aulos para um banqueteiro: taça ática de figuras vermelhas do Pintor de Euaion, c. 460-450 a.C. – Museu
do Louvre.
[xxi] Rapto de Ganymede – Rubens – Museu do
Prado (1611).
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