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domingo, 18 de agosto de 2013

Eros: da Concupiscência à Melancolia



Lourenço Leite[1]
E-mail: lourencoleite@ufba.br

Das espumas[2] do mar de Poseidon nasce Afrodite, a deusa da beleza, da sensualidade, da relação com a natureza, pela via amorosa, e mãe de Eros. Todavia, seu enlace amoroso com Ares, o deus da discórdia, transformou-a em uma das deusas mais poderosas e ambíguas. Com Afrodite, doravante, o amor e o ódio fazem parte da mesma moeda. Estar sob sua égide é aprender a respeitar a natureza e, principalmente os animais. Seus aposentos encontram-se em um palácio nas profundezas dos oceanos; seu altar é a concha da pérola negra; seus cabelos doirados formam as ondas dos mares controladas por seus marujos; sua irmã Oxum[3] veste-se de amarelo para saudá-la nos encontros dos mares com os rios regidos pelas tábuas das marés de Réia (lua).
É dessa mãe d´água que nasce Eros[4] para infernizar a vida de todos os mortais que sucumbiram à razão. A humanização de Eros se dá quando ele conhece Psyqué[5], a alma humana plena de paixão, emoções e sentimentos. Antes, esse jovem mancebo divertia-se fora do Olympo ao flechar os amantes indefesos com suas flechas envenenadas do delírio dos deuses, molhadas no néctar, bebida reservada exclusivamente aos imortais, que levavam ao entorpecimento e a...
[i]                   [ii]    
       

  [iii]   



...cegueira da razão àqueles que eram feridos. Somente desse modo os amantes poderiam se transformar, ou seja, o amor oriundo de Eros toma por completo sua vítima e a humaniza, mesmo sem ela saber ou querer. “O amor é cego”, diz o dito popular, se visse, não transformaria. Daí se saber que o amor não tem sexo, religião, idade, status quo, profissão...
Mas, muito embora Eros tivesse o poder de seduzir e fazer que dois seres se apaixonassem, ao conhecer Psyqué seu veneno do amor inocula-o sem precedentes[6]. A partir daquele instante soturno Eros havia experimentado em seu corpo a dor do amor que era reservada apenas aos mortais.     

Recolhe-se subitamente ao Olympo a fim de curar a ferida sob os efeitos da sedação melancólica[7]. A saudade da plenitude agora era a que vivera com Psyqué... A alma humana havia contaminado o mais belo dos belos e ele, apesar de ser estéril (desde os primórdios da engendração quando, ao provocar a união de Géia [Mãe Terra] com Urano [Céu] gera os filhos dos filhos numa progênie infindável) havia gerado uma criança com Psyqué — sua filha Volúpia, aquela que faz com que os casais permaneçam unidos pela força do desejo. No entanto, para que os dois possam viver esse amor, será necessário que Psyqué cumpra quatro tarefas designadas por Afrodite que lhes servirão de processo iniciático. Sem embargo, em não havendo iniciação, a alma humana não poderá perceber nem vivenciar a plenitude de Eros, ou seja, não se ama em verdade sem ter passado pelas provas de humanização.

   
[iv]      
O Banquete de Platão, Pausânias, um dos convivas, profere um discurso sobre essa paradoxalidade do Amor, como se segue:
[v]Todos, com efeito, sabemos que sem Amor não há Afrodite. Se, portanto uma só fosse esta, um só seria o Amor; como, porém são duas, é forçoso que dois sejam também os Amores. E como não são duas deusas? Uma, a mais velha sem dúvida, não tem mãe e é filha de Urano, e a ela é que chamamos de Urânia, a Celestial; a mais nova, filha de Zeus e de Dione, chamamo-la de  Pandêmia, a Popular. Ora, pois, o Amor de Afrodite Pandêmia é realmente popular e faz o que lhe ocorre; é a ele que os homens vulgares amam. E amam tais pessoas, primeiramente não menos as mulheres que os jovens, e depois o que neles amam é mais o corpo que a alma, e ainda dos mais desprovidos de inteligência, tendo em mira apenas o efetuar o ato, sem se preocupar se é decentemente ou não; daí resulta então que eles fazem o que lhes ocorre, tanto o que é bom como o seu contrário. Trata-se com efeito do amor proveniente da deusa que é mais jovem que a outra e que em sua geração participa da fêmea e do macho. O outro, porém é o da Urânia, que primeiramente não participa da fêmea, mas só do macho — e é este o amor aos jovens — e depois é a mais velha, isenta de violência; daí então é que se voltam ao que é másculo os inspirados deste amor, afeiçoando-se ao que é de natureza mais forte e que tem mais inteligência.
Paradoxalmente, apesar de o amor possuir essa dupla face, é preciso que se re-humanize para aceder à força de Eros e, consequentemente, para que Eros prove do amor humano faz-se necessário sua experiência da falta em sua carne, que, doravante, não é mais puramente divina. Parafraseando as palavras de S. João (cap. 1, vss 1 e 14) sobre o Princípio: “No princípio era o Verbo (Eros) ... e o Verbo se fez carne e habitou entre nós...” daí inicia o desespero divino perante a existência que vai se consumar na morte de cruz do Cristo[8]. Albert Camus, esse ateu, místico, revela o que ocorreu antes de tudo ser consumado na noite aterradora do Getsêmani em que o Cristo transpirou sangue ao sentir-se abandonado, traído e com o peso da redenção de todos os homens, desde Adão e Caim:
A noite do Gólgota só tem tanta importância na história dos homens porque nessas trevas a divindade, abandonando ostensivamente os seus privilégios tradicionais, viveu até o fim, incluindo o desespero, a angústia da morte. (...) Para que o deus seja um homem, é preciso que ele se desespere. Esse estranho olhar que ainda não era o seu (...)  Só o sofrimento de Deus, e o sofrimento mais desgraçado, podia aliviar a agonia dos homens. Se tudo, sem exceção, do céu à terra, está entregue à dor, uma estranha felicidade é então possível[9].

  A estranheza da felicidade em Camus só pode ser entendida como a tomada de consciência do que se é. O Cristo naquele momento de desespero sabia que iria experimentar, em totalidade, a dor em sua carne sem a sedação espiritual de Deus, seu Pai.
[vi] 
Sem o mito de Eros e Psyqué não se poderia vislumbrar a Melancolia divina. Melancolia essa que desencadeara a inveja do humano. Eros não poderia mais viver sem o sabor da densidade da alma humana; sem sentir a dor da ausência de outrem em sua carne[10]; sem o perfume das flores e orvalho das árvores; sem o calor do sol e o brilho da lua; sem o gemido do prazer e do gosto do beijo de Psyqué[11]. Doravante, os deuses foram humanizados e os homens divinizados. A transcendência houvera visitado a humanidade para sempre e para sempre deseja retornar. Bastando apenas que seja evocada[12].
Antagonicamente, nem sempre foram os deuses que vieram hospedar-se no mundo. A partir da gênese da Filosofia nas teias dos argumentos socráticos[13], Platão, em O Banquete, inicia o destronamento dos deuses mítico-religiosos, sem, contudo, aniquilá-los. Eros (o Amor), por sua vez, fora substituído pelos conceitos de Riqueza e Pobreza tendo sido mostrado sua origem sob os auspícios de uma festa ocorrida nos jardins do Olympo narrada por Diotima a Sócrates para melhor definir o que é afinal o Amor:
Quando nasceu Afrodite, banqueteavam-se os deuses, e entre os demais se encontrava também o filho de Prudência[14], Recurso. Depois que acabaram de jantar, veio para esmolar do festim a Pobreza, e ficou pela porta. Ora, Recurso, embriagado com o néctar — pois vinho ainda não havia — penetrou o jardim de Zeus e, pesado, adormeceu. Pobreza então, tramando em sua falta de recurso engendrar um filho de Recurso, deita-se ao seu lado e pronto concebe o amor. Eis por que ficou companheiro e servo de Afrodite o Amor, gera em seu natalício, ao mesmo tempo em que por natureza amante do belo, porque também Afrodite é bela. E por ser filho o Amor de Recurso e de Pobreza foi esta a condição em que ele ficou. Primeiramente ele é sempre pobre, e longe está de ser delicado e belo, como a maioria imagina Mas duro, seco, descalço e sem lar, sempre por terra e sem forro, deitando-se ao desabrigo, às portas e nos caminhos, porque tem a  natureza da mãe, sempre convivendo com a precisão. Segundo o pai, porém, ele é insidioso com o que é belo e bom, e corajoso, decidido e energético, caçador terrível, sempre a tecer maquinações, ávido de sabedoria e cheio de recursos, a filosofar por toda a vida, terrível mago, feiticeiro, sofista: e nem imortal é a sua natureza nem mortal, e ao mesmo dia, ora ele germina e vive, quando enriquece; ora morre e de novo ressuscita, graças à natureza do pai; e o que consegue sempre lhe escapa, de modo que nem empobrece nem enriquece, assim como também está no meio da sabedoria e da ignorância. Eis, com efeito, o que se dá. Nenhum deus filosofa ou deseja ser sábio — pois já é —, assim como se alguém mais é sábio, não filosofa.

         Curiosamente, uma das alegorizações feitas de Saturno (Tempo) na Idade Média era a de um mendigo debilitado, doente e manco, vestido de trajes rotos e acompanhado de um cão. A mesma imagem se encontra no sincretismo religioso[15] brasileiro em que São Lázaro e São Roque, respectivamente representados no Candomblé por Obaluayé/Tempo e Omolu/Tempo, igualmente, são vistos como portadores de chagas e acompanhados por um cão a viver como andarilhos. Possuem grande sabedoria e experiência de vida; podem ser grandes videntes e curandeiros e são encontrados nos caminhos. Demonstram uma profunda e tênue Melancolia que não se pode apreendê-la. Há certa ambigüidade melancólica que revela algo de transcendental[16] e, ao mesmo tempo, de errância existencial fruto da “queda” na vida mundana. Abaixo, à direita, pode-se vislumbrar um dos mais célebres e enigmáticos desenhos criado por Albrecht Dürer (1471-1528) intitulado de Melencolia I que retrata esse estado melancólico (de um lado encarnando o ideal alegorizado de uma faculdade mental criadora e de outro a imagem terrificante de um estado de espírito destruidor[17]) acompanhado de símbolos surpreendentemente ligados a Tempo: ampulheta, escada, balança, sino, anjo com asas em prostração, mão no queixo[18],... (em seguida abaixo, pinturas renascentistas que ilustram esse modo de ser)
[viii] 
 [ix]    [x] 
...livro de cadeado, cão deitado aos seus pés, compasso, relógio solar, o círculo, o poliedro, casa sem janelas, turíbulo, arco-íris etc. Hélène Prigent integrante da Reunião dos Museus Nacionais de França, em sua grandiosa obra sobre a Melancolia[19] interroga sobre a mulher alada no desenho de Dürer: Se o olhar estiver de fato concentrado, como o indicam os olhos abertos para um ponto invisível, o é em alguma coisa que se encontra fora da gravura, a menos que esse olhar esteja somente absorto em si mesmo, refletindo. O caráter enigmático da gravura suscitou muitas interpretações.  O que seria essa gravura emblemática como uma nova concepção da Melancolia inaugurada pela Renascença?
O surgimento da modernidade como caráter primordial do humanismo renascentista, não se evidencia apenas no campo das artes e da literatura, mas, sobretudo na filosofia como pensamento de uma nova era da existência humana. Descartes, em França, com seu reducionismo do conhecimento racional, integrará, definitivamente a concepção de mundo, de homem e de moral aos ditames exclusivos da Razão. Estava decretada a falência do real, do simbólico e de Eros. O vazio desolador da gravura de Dürer será o ponto de partida da descrição representativa da Melancolia do homem ocidental sob a égide do império europeu.  O mundo acadêmico, científico e político propagarão esses ditames da Razão, excluindo gradativamente todos os resquícios do conhecimento simbólico. Não haverá mais lugar para a conceituação da realidade existencial. Tudo advirá dos moldes teóricos e ideológicos sobre o quotidiano. Deus começa a agonizar na solidão do Getsêmani. Todavia, Eros permanece impávido. Continua a azucrinar a vida dos mortais, mesmo os racionalistas, e se mostra sob suas poliformes aparências.
[xii]
                          [xiii]  
Visto desse modo, ou seja, com essas marcas caracterológicas, Eros adquire uma forma de ambigüidade nunca encontrada nas personalidades dos deuses. O fato de possuir grande riqueza e, ao mesmo tempo, viver na mais extrema pobreza, faz desse deus alguém que se mostra na mais perfeita dubiedade existencial. Estar-se apaixonado é a prova mais cabal dessa caracterologia de Eros. É quando se vive o extremo mais radical dos sentimentos amorosos. Em um dado momento se experimenta a mais plena e perfeita harmonia do amor como se fosse eterno e, em outro, a mais dolorosa carência e o mais doloroso sofrimento pela ausência do/a amado/a. Se houver traição por parte do/a amado/a, esse amor no/a amante se transforma no mais cruel e aterrador dos sentimentos humanos: o ódio[20]. Representado na antiguidade grega pelo “Furor” [21] divino. Daí que furor e Melancolia são estados psicológicos sinonímicos. Em contrapartida, temos a Melancolia apática vivida pelos monges que se denominou chamar de Acedia[22], no período clássico antigo, sob influência do demônio do meio-dia Belphegor[23].

    
Por conseguinte, no transe pessoal de Sócrates, sob efeito do seu daímon, Eros é redimido como um gênio que habita entre a mortalidade e a imortalidade humana, trazendo à luz da filosofia o seu real sentido. Desse modo, o Amor, apesar de não se saber exatamente o que Ele é nem de onde provém, alivia a angústia, não somente dos discípulos de Sócrates em casa de Agatão quando do Banquete, mas a todos aqueles que buscam uma explicação para esse torpor sem cura. Explica Diotima a Sócrates:
...com efeito, tudo o que é gênio está entre um deus e um mortal. — E com que poder? Perguntei-lhe. — O de interpretar e transmitir aos deuses o que vem dos homens, e aos homens o que vem dos deuses, de uns as súplicas e os sacrifícios, e dos outros as ordens e as recompensas pelos sacrifícios; e como está no meio de ambos ele os completa, de modo que o todo fica ligado todo ele a si mesmo. Por seu intermédio é que procede não só toda arte divinatória, como também a dos sacerdotes que se ocupam dos sacrifícios, das iniciações e dos encantamentos, e enfim de toda adivinhação e magia. Um deus com um homem não se mistura, mas é através desse ser que se faz todo o convívio e diálogo dos deuses com os homens, tanto quando despertos como quando dormindo; e aquele que em tais questões é sábio é um homem de gênio[24], enquanto o sábio em qualquer outra coisa, arte ou ofício, é um artesão. E esses gênios, é certo, são muitos e diversos, e um deles é justamente o Amor.
 Por consequência, se Eros habita entre os dois pólos da existência (finita e infinita) não possui morada fixa em nenhum lugar, ora está numa extremidade, ora está em outra. O que lhe sobra como estado duradouro é a Melancolia. Deseja estar sempre no alhures, contudo, encontra-se sempre no aqui e agora. Em sendo assim, assemelha-se igualmente a Hermes, o mensageiro dos deuses na mitologia grega e a Exú[25] no sincretismo religioso baiano do candomblé.


 O ARQUÉTIPO DE EXÚ  — Os filhos de Exú possuem um caráter ambivalente, ora são pessoas inteligentes e compreensivas com os problemas dos outros, ora são bravas, intrigantes e ficam muito contrariadas. As pessoas de Exú não têm paradeiro, gostam de viagens, de andar na rua, de passear, de jogos e bebidas. 
Mas, afinal quando é que Eros contamina sua vítima indefesa? Todos os humanos estão à mercê dele ou simplesmente alguns dentre os demais têm o privilégio de ser inoculado com seu vírus? A explicação mais plausível é a que se encontra na mitologia: todo herói deve passar pela jornada iniciática a fim de adquirir a consciência e a capacidade de realizar sua missão no mundo. Um dos ritos de passagem é aprender a viver a humildade, elemento primordial da humanização. Sem a humildade não há transformação de seu ser para acolher o mistério do sagrado que lhe é revelado pela sua divindade protetora. Esse paradoxo do resgate da humanidade se dá pelo fato que, desde os primórdios, ou seja, desde “a queda”, que o Homem se distanciou de sua real natureza. Haja vista o que ocorre na epopéia de Gilgamesh. Enkidu, seu amado, em verdade, é sua faceta natural que cedeu lugar apenas ao homem civilizado pela cultura. A iniciação se efetiva em todos que possuem o dom da reparação.
Eros, todavia, empreende o mesmo procedimento. Só pode atirar sua flecha envenenada do Amor se o/a amante estiver predisposto/a em acolher o outro enquanto outro. O Amor não incide sobre a homogeneidade. A alteridade é o lugar por excelência de acolhimento de Eros. A esse respeito, Ollivier Pourriol, em sua inusitada obra Cinefilô — As mais belas questões de filosofia no cinema; descreve, com base no pensamento de Spinoza, essa forma do amor que causa algo no indivíduo:
No amor há, o mais das vezes, alguma coisa de exterior. A menos que sejamos capazes de nos amar a nós mesmos, amar incide sobre alguma coisa ou alguém diferente.  Amar não depende apenas de nós. Amar é depender. Depender de um objeto que pode sempre nos escapar, uma vez que não formamos senão um com ele. Se amamos uma pedra é fácil, podemos ficar tranqüilos guardando-a em casa ou conosco. Impossível fazer a mesma coisa com um homem ou uma mulher. A bem da verdade, não podemos sequer ter certeza de que a pedra nunca será roubada, perdida ou quebrada. Na medida mesma em que ela nos é exterior, em que não faz parte de nós, dependemos dela se a amamos. Amar um ser humano é ainda menos fácil, por dois motivos, pois, primeiramente, não estamos seguros do amor do outro, e, em segundo lugar, não temos certeza da duração, da perenidade desse amor.  (...) nada depende menos de nós que os sentimentos[26].
Em sendo assim, o mito narrado por Aristófanes em O Banquete de Platão, adquire o seu revês. Em verdade não se procura a outra metade, contudo, procura-se e almeja-se encontrar a diferença — daí a homossexualidade não tem justificação para o amor se for apenas baseada no sexo. A alteridade do outro, salvo a tautologia, se revela no conluio da relação posta em movimento e no seu entendimento da subjetividade. Desse modo, o sexo transmuta-se em sexualidade e deixa de ser instinto natural. Essa concepção se ajusta à mesma de Aristóteles ao definir o que é a Ética das Virtudes em sua obra Ética a Nicômaco[27]. Sem o agir, (práxis[28]) não se pode ser ético, não há ser ético sentado numa poltrona esperando o bonde da existência passar.
O efeito de Eros na pessoa humana substitui a iniciação mítica, pois faz vir à tona a humildade como virtude do ser e a põe no reino da serenidade. O ser apaixonado, em contrapartida, ainda não experimenta essa virtude; seus sentimentos são viscerais, impetuosos, plenos de ciúmes, arrebatadores, efêmeros e transitam entre o furor e a serenidade.
Em se tratando dos ciúmes, vale verificar o que Spinoza relata a esse respeito: Se imaginarmos que alguém se apega à coisa amada com o mesmo laço de amizade — ou um mais íntimo — do que aquele sobre o qual tínhamos posse exclusiva seremos afetados de ódio pela própria coisa amada e invejaremos o outro[29]Completa com o escólio, Pourriol (...) o ódio e o amor misturam-se mal, uma vez que, se o ciúme, no início, continha igualmente amor, o ódio termina por se revestir da pele do amor e, diz Spinoza, por aniquilá-lo completamente. O amor afogou-se no ódio; o ciúme começa pelo amor, mas termina no ódio[30].
Pelo visto é o que Platão mostra n´O Banquete quando da súbita chegada de Alcebíades em casa de Agatão. Completamente embriagado, expõe seu desejo incoercível que nutria por Sócrates perante todos os convidados. Platão se apropria dos discursos para demonstrar a diferença filosófica entre a paixão dos jovens e o amor dos homens mais velhos, particularmente o de Sócrates, o amor filosófico puro (castidade), o amor que desejava além da beleza do corpo, posto que almejasse o Belo e Bom. Ideal grego que se consolida com a gênese da filosofia. Em seguida, retruca Sócrates aos apelos de Alcebíades:
— Caro Alcebíades, é bem provável que realmente não sejas um vulgar, se chega a ser verdade o dizes a meu respeito, e se há em mim algum poder pelo qual tu te poderias tornar melhor; sim, uma irresistível beleza verias em mim, e totalmente diferente da formosura que há em ti. Se então, ao contemplá-la, tentas compartilhá-la comigo e trocar beleza por beleza, não é em pouco que pensas me levar vantagens, mas ao contrário, em lugar da aparência é a realidade do que é belo que tentas adquirir, e realmente é “ouro por cobre” que pensa trocar. No entanto, ditoso amigo, examina melhor; não te passas despercebido que nada sou. Em verdade, a visão do pensamento começa a enxergar com agudeza quando a dos olhos tende a perder sua força; tu, porém estás ainda longe disso.
 (Vale ressaltar que na Grécia clássica em que predominava a Ephebia/Pederastia quem amava era o/a amante, nunca o amado. Essa tradição era uma instituição em consonância com as famílias dos jovens ephebos (de 14 a 21 anos) entre homens mais velhos. Em Atenas este indivíduo mais velho era chamado de erastes, e sua função era a de educar, iniciar na sexualidade, proteger, amar e agir como um exemplo para seu amado — chamado de eromenos, cuja recompensa para seu amante estaria em sua beleza, juventude e potencial. Quando eram convocados para a guerra, permaneciam sempre juntos como amantes e nos front´s de batalha eram insuperáveis Exemplo disso havia o amor incondicional de Aquiles por Pátroclo; o de Zeus por Ganymedes; o de Jacinto por Narciso; O de Alexandre, o Grande por Heféstion; o de Laio [pai de Édipo] por Crisipo; o de Apolo por Jacinto; o de Hércules por Abdero e inúmEros outros — posto que, segundo Platão, o verdadeiro amor só poderia ocorrer entre homens. O amor do homem para com uma mulher se restringia apenas a procriação. Outrossim, verificou-se o amor homoerótico/homossexual na tradição semita, particularmente na mesopotâmia entre o rei de Uruk, Gilgamesh e Enkidu; e na tradição hebraica entre o rei Davi e Jônatas. Não se pode olvidar dos inúmeros exemplos de homoeroticidade e de homossexualidade no campo das Artes (Pintura, Escultura, Música), da Literatura e do Cinema, quase sempre acompanhados do sinete da Melancolia).

O desespero de Alcebíades diante da indiferença de Sócrates é a prova cabal da atitude do amado que ainda não pode vislumbrar o que é o Amor; nem pode ter as rédeas da conquista. Sua paixão o cega e o deixa depressivo e triste. Far-se-á, então necessário distinguir a paixão da verdadeira ação em que o agente está implicado. Resume Pourriol num dos escólios da Ética de Spinoza: (...) paixão distingue-se de ação. Padecer é sofrer alguma coisa do exterior, é não estar integralmente na origem do que sentimos, é ser, no melhor dos casos, sua causa parcial. Agir é estar por inteiro na origem, essa é a causa adequada do efeito que provocamos e do efeito que sentimos. Agir é manifestar sua potência. Sofrer é ser separado de sua potência[31].
Com efeito, ser melancólico implica peremptoriamente em se estar inteiramente na origem da causa. O estado de Melancolia, por conseguinte, oriundo da verdadeira experiência do absoluto não se faz presente no efeito da paixão porque precisa sair do âmbito da efemeridade. O Amor, por conseguinte, além de ser duradouro, leva á transcendência do indivíduo, pois, assim como Sócrates, contempla a “coisa em si”, isto é, o Belo que é igualmente Bom. Daí se originar a Eudaimonia grega, desde Sócrates a Aristóteles, como sendo a fonte do gênio bom que conduz não somente à sabedoria, mas igualmente ao Amor.
Contudo, na Antigüidade, os médicos observaram que o amor é uma paixão próxima da enfermidade melancólica e, nos tratados do séc. XVII eram descritos como portadores do mal da bile negra. Agamben, em sua obra Estâncias[32], descreve como se dera esse processo doentio que levara os enamorados a subverterem-se em lascivos e concupiscentes: o próprio processo do enamoramento converte-se nesse caso no mecanismo que abala e subverte o equilíbrio humoral, enquanto, inversamente, a empedernida inclinação contemplativa do melancólico o empurra fatalmente para a paixão amorosa. A obstinada síntese figurativa que daí resulta e que leva Eros a assumir os obscuros traços saturninos do temperamento mais sinistro continuaria presente durante séculos na imagem popular do enamorado melancólico[33]. Acrescenta Agamben ao se referir sobre a proximidade substancial entre a patologia erótica e a melancólica nas expressões encontradas na obra de Ficino, De amore:
Para onde quer que se dirija a intenção assídua da alma, para lá afluem também os espíritos, que são o veículo ou os instrumentos da alma. Os espíritos são produzidos no coração com a parte mais sutil do sangue. A alma do amante é arrastada para a imagem do amado inscrita na fantasia e para o próprio amado. Para lá também são atraídos os espíritos e, no seu obsessivo vôo, acabam aí. Por isso é necessário um reabastecimento constante de sangue puro a fim de recriar os espíritos consumidos, ali onde as partículas mais delicadas e mais transparentes do sangue exalam todo o dia a fim de regenerar os espíritos. Por causa disso o sangue puro e claro se dilui e não sobra senão o sangue impuro, espesso, árido e escuro. Assim, o corpo se disseca e deteriora, e os amantes tornam-se melancólicos (...)[34].
Visto desse modo, à luz do terrorismo clínico da Antigüidade e dos tratados modernos sobre o melancólico, só resta concluir que o Amor proveniente de Eros é um perigo irremediável para a humanidade. A sanção àqueles que abusam do amor é a de transformar, segundo Ficino, ao que compete à contemplação em desejo de abraço.
À guisa de inferência desse texto sobre a ambigüidade do Amor, Agamben, ao tratar do temperamento melancólico, acrescenta: a intenção erótica que desencadeia a desordem melancólica apresenta-se aqui como aquela que pretende possuir e tocar o que deveria ser apenas objeto de contemplação, e a trágica insanidade do temperamento saturnino encontra assim a sua raiz na íntima contradição de um gesto que pretende abraçar o inapreensível[35].
Daí a Melancolia de Eros...
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

1.     AGAMBEN, Giorgio. Estâncias. Belo Horizonte: editora UFMG, 2007.
2.     ARISTÓTELES. O homem de gênio e a Melancolia – O Problema XXX. Rio de Janeiro: Lacerda editores, 1998;
3.     BERKENBROCK, Volney J. a experiência dos orixás. Um estudo sobre a experiência religiosa no candomblé. Petrópolis: Vozes, 1999;
4.     BRANDÃO, Junito de Souza. Eros e Psiqué. In: Mitologia Grega. Petrópolis, Vozes, 1988, Vol. II;
5.     CAMUS, Albert. O homem revoltado. Rio de Janeiro: Record, 1997;
6.     KLIBANSKY, R., PANOFSKY, e. et SAXL, F. Saturne et la mélancolie. Paris: Bibliothèque illustrée des histoires, Gallimard, 1989;
7.     LEITE, Lourenço. Do simbólico ao racional. Ensaio sobre a gênese da mitologia grega como introdução à filosofia. Salvador: Secretaria da Cultura/EGDA, 2001;
8.     MARCUSE, Herbert. Eros e civilização. São Paulo: s/n, Edit. Círculo do Livro;
9.     PAIXÃO, Márcio Petrocelli. O problema da felicidade em Aristóteles. Apresentação Emmanuel Carneiro Leão. Rio de Janeiro: Pós-Moderno, 2002;
10.  PLATÃO. O banquete. Trad. e Notas José Cavalcante de Souza. São Paulo: Abril Cultural, 1979;
11.  POURRIOL, Ollivier. Cinéfilo – as mais belas questões da filosofia no cinema. Tradução André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2009;
12.  PRIGENT, Hélène. Mélancolie – les métamorphoses de la dépression. Paris: Gallimard, 2007;
13.  SPINOZA. L´Éthique. Paris: Gallimard, 2010;





[1] Professor de Filosofia e Ética da Universidade Federal da Bahia. Atualmente desenvolve pesquisa sobre O Tempo e a Melancolia da Alteridade com ênfase na Literatura e no Cinema.
[2] Há duas versões sobre o nascimento biológico desta Deusa. Na versão de Homero, Afrodite nasce de modo convencional, como sendo filha de Zeus e Dione, ninfa do mar. Já na versão de Hesíodo, ela nasce em conseqüência e um ato bárbaro. Cronos cortou os órgãos de seu pai Urano e os atirou ao mar. Uma espuma branca surgiu em torno deles e misturando-se ao mar, gerou Afrodite. Sendo assim, Afrodite é filha do Céu e do Ar, a Deusa Mãe original em muitas tradições, e o primeiro fruto da separação do céu e da terra. Como foi gerada no mar, é a filha do começo, é a figura que, igual a Deusa original, volta a unir as formas separadas de sua criação. Nesse sentido, Afrodite "nasce" quando as pessoas recordam, com alegria, o vínculo que une os seres humanos com os animais e com toda a natureza e ainda, quando percebem esse vínculo como uma realidade clara e sagrada. O mito sugere que isso aconteceu mediante o amor. A união se converteu em reunião, pois o amor que gera vida se faz eco do próprio mistério da vida. (fonte: http://recantodosdeuses.blogspot.com/2010/02/afrodite.html)
[3] Oxum — é um Orixá feminino da nação Ijexá, adotada e cultuada em todas as religiões afro-brasileiras. É o Orixá das águas doces dos rios e cachoeiras, da riqueza, do amor, da prosperidade e da beleza. Em Oxum, os fiéis buscam auxílio para a solução de problemas no amor, uma vez que ela é a responsável pelas uniões, e também na vida financeira, a que se deve sua denominação de "Senhora do Ouro", que outrora era do Cobre, por ser o metal mais valioso da época. Na natureza, o culto a Oxum costuma ser realizado nos rios e nas cachoeiras e, mais raramente, próximo às fontes de águas minerais. Oxum é símbolo da sensibilidade e, muitas vezes, derrama lágrimas ao incorporar em alguém. Característica que se transfere a seus filhos, identificados por chorões. No Candomblé Bantu — a Nkisi Ndandalunda, Senhora da fertilidade e da Lua, muito confundida com Hongolo e Kisimbi, tem semelhanças com Oxum. E no Candomblé Ketu  Divindade das águas doces, Oxum é a padroeira da gestação e da fecundidade, recebendo as preces das mulheres que desejam ter filhos e protegendo-as durante a gravidez. Protege, também, as crianças pequenas até que comecem a falar, sendo carinhosamente chamada de Mamãe por seus devotos. No sincretismo religioso católico é representada por N. S. da Conceição (Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Oxum).
[4] Em grego Ερως (Éros), significa desejo incoercível dos sentidos.
[5] Psiqué era o conceito grego para o self ("si-mesmo"), compreendendo as idéias modernas de alma, ego e mente. Significava originalmente "alento" e posteriormente, "sopro". Dado que o alento é uma das características da vida, a expressão "psiqué" era utilizada como um sinônimo de vida e por fim, como sinônimo de alma, considerada o princípio da vida. A psiqué seria então a "alma das sombras" por oposição à "alma do corpo" (N. do A.).
[6] “Excerto do mito de Eros e Psiqué: Eros ao seu lado dormia tranqüilamente. Como fora de si, a jovem esposa reuniu todas s suas forças: numa das mãos o candeeiro, na outra o punhal. Muito de leve aproximou a luz do rosto do marido. Estava revelado o grande segredo: viu a mais delicada, a mais bela de todas as feras. Eros, o deus do amor, ali estava diante de seus olhos. A jovem empalidece, treme, cai de joelhos. Olhando-o contempla-o embevecida e "especulando-o", Psiqué, como Narciso, não mais pôde tirar os olhos dele. Quis matar-se, mas o punhal se lhe resvalou da mão. Percebendo ao lado do leito a aljava e as flechas do deus, ao tocá-las, acabou ainda por ferir-se com uma delas. Agora, mais que nunca, sua paixão seria eterna. Inflamada de amor, inclina-se sobre ele e começa a beijá-lo como louca. Esquecida do candeeiro deixa-o curvar-se em demasia e uma gota de óleo fervente cai no ombro do deus adormecido. Eros desperta num sobressalto e, ao ver desvendado seu segredo, levantou vôo no mesmo instante; sem dizer uma só palavra, afastou-se rapidamente da esposa. Esta ainda tentou segui-lo através das nuvens, segurando-lhe a perna direita, mas exausta, caiu ao solo”. (Fonte: BRANDÃO, Junito de Souza. Mitologia Grega. pp. 209-220. Vol. II).
[7] Atitude semelhante pode-se verificar na filosofia contemporânea em Merleau-Ponty (1908-1961), a situação paradoxal do homem autêntico que simultaneamente se retira do mundo para refletir e nele se põe para agir (Verbete do Dicionário Houaiss).
[8] Em grego Khristós, significa “o Ungido”, transliterado do hebraico para o português Masiah “o Messias”.
[9] CAMUS, O Homem Revoltado, p.50-52.
[10] Vale ressaltar que Eros tão-somente sente o odor e o prazer da vida quando encarna no mundo do humano. Isso se devia quando visitara Psyqué. No Olympo não há vida, unicamente ser. Isto é, não há existência. Os deuses apenas são. (N. do A.).
[11] O bem causado e causa de Eros ainda nos põe numa atitude de grande ambigüidade. Como se pode entender essa anterioridade como causa de todos os bens se com eles advêm às piores dores e os piores ódios que um ente pode suportar...? Eros, a guisa de Afrodite, antes de seduzir Psiqué, não conhecia o sabor da sensação que somente o corpo pode dar. Todavia, ao vir todas as noites, soturnamente, quedar com Psiqué, pouco a pouco, foi percebendo o quanto se pode experimentar de algo que nele mantinha-se em suspensão. É, definitivamente, Psiqué que o encerra na mais sutil e mais densa experiência humana que nenhuma divindade conhecera... a de sentir a presença/ausência do amor. Nesse paradoxo inelutável, Psiqué, igualmente, confortara-se em possuí-lo somente na calada da noite à espera do dia. O brilho da luz era somente da lamparina do quarto sugando o óleo de oliva de forma interminável. Contudo, o dia adviera-se sem pedir licença e lançara Eros de volta ao Olimpo. (N. do A.).
[12] Na religião afro-brasileira esse reencontro é costumeiro, principalmente no culto aos caboclos (ancestrais indígenas) e aos boiadeiros que reincorporam seus filhos iniciados e podem re-experimentar a essência da vida. Em se tratando dos Orixás e Nkisis, não há incorporação, apenas sintonização, pois, se houvesse o filho ou filha de santo não suportaria tamanha energia em sua finitude. Por isso que esses seres não costumam se pronunciarem pela fala humana. Quando precisam se comunicar, ou o fazem pelo jogo dos búzios ou pelos Erês (N. do A.). Erê — designação para a situação de transe suave que pode ocorrer após o transe profundo. Também se diz que o Erê é uma qualidade infantil do Orixá. Nesta condição de transe, o Orixá pode transmitir mensagens às pessoas (fonte: BERKENBROCK, Volney. A experiência dos Orixás. p. 442).
[13] O discurso do novo cidadão socrático substituía a força instauradora da palavra como contentora de verdade. Doravante, o discurso engendra o conceito e faz da idéia o lugar da demonstração da verdade. É a democratização da verdade, antes sagrada, agora popular. Tenho dito que a filosofia grega é ‘uma vaca profana’: traz a público e à tona o que era considerado recôndito e inacessível. A filosofia desse momento em diante é profana por excelência, nasce atéia e dessacraliza a verdade mítico-religiosa que se escondia nos meandros das doutrinas iniciáticas e nos enigmas dos oráculos (N. do A. excerto de sua obra: Do simbólico ao Racional).
[14] Prudência — era representada na mitologia grega por Sophrosyne.
[15] Com permissão da tradição afro-brasileira, o Candomblé baiano, poder-se-ia, por analogia, identificar essas características de Tempo, no Orixá Tempo e nas suas derivações: Omolu Tempo (representa o pólo negativo da natureza em contrapartida a Yemanjá que representa o pólo positivo) e em Obaluayé Tempo que presidem tanto a doença como a cura, a vida e a morte, a fertilização da Terra, o ocultamento do mistério do sagrado, o silêncio e a solidão e que se ligam, transcendentalmente ao Céu, i. é., ao mundo espiritual — sua saudação é ATOTÔ = que significa “silêncio” e sua grande amiga é Yansã que o fez se livrar das chagas em seu corpo transformando-as em pipocas, daí se celebrar as segundas-feiras com banhos de flor (pipocas) como proteção dos deuses para livrar das doenças e dos males do mundo (N. do A.).
[16] Sobre essa necessidade de transcendência, segue um excerto da obra de Marcuse, Eros e Civilização: A luta contra o tempo desencadeia-se a partir dessa posição: a tirania do devir sobre o ser deve ser quebrado, se o homem quiser tornar-se ele mesmo num mundo que seja realmente seu. Enquanto existir o incompreendido e inconquistado fluxo do tempo — uma perda sem sentido, o doloroso “era” que nunca mais voltará a ser — o ser conterá a semente de destruição que perverte o bem em mal e vice-versa. O homem só se torna ele mesmo quando a transcendência for conquistada — quando a eternidade se tornar presente no aqui e agora (p.110).
[17] KLIBANSKY. Saturne et La mélancolie. p. 494
[18] Esse gesto se notabilizou a partir da Renascença como representante da pessoa em estado melancólico. Que de um lado poder-se-ia imaginar um estado de profundo luto ou de outro em contemplação do nada (N. do A.)
[19] PRIGENT, Hélène. Mélancolie – les métamorphoses de la dépression. Tradução: Sônia Girard. p. 47
[20] “Quanto mais um homem controla suas tendências em relação a outros, mais tirânico, isto é, mais agressivo se torna em seu ego-ideal... mais intensas se tornaram as tendências agressivas do seu ego-ideal contra o seu ego”. Levada ao extremo, na melancolia, “uma pura cultura do instinto de morte” pode influir no superego, convertendo este numa “espécie de local de reunião para os instintos de morte” (MARCUSE, Eros e Civilização, p. 159.)
[21] Aristóteles, em seu Problema XXX, destaca como estado de “furor” aquele vivido por alguns heróis míticos, tais como Hércules, Ajax e Aquiles. (N. do A.).
[22] Longe das costas da Grécia, uma nova etapa na definição da melancolia se cumpre nos desertos do Egito e da Síria. No início do século IV, cristãos resolvem praticar a anacorese, que quer dizer retirar-se para o deserto, a fim de romper com uma sociedade que eles julgam estar em agonia. Entre esse momento que vê nascerem as primeiras vocações de vida no deserto — a de Antonio, de Pacomo, de Macario... — e o final dos anos 300, verdadeiros focos de anacoretas nascem, os mais importantes sendo Nitria e as Kellias no sudeste de Alexandria, e contam respectivamente, segundo o bispo Pallada, 5000 e 650 monges. É nesses lugares desérticos que os anacoretas experimentam uma melancolia particular: a acedia. (fonte: PRIGENT, Hélène. p. 22-23).
[23] Belphegor ou Belfegor ("o senhor do fogo"), divindade moabita venerada no monte Fegor. Demônio da preguiça, das descobertas e dos inventos. Era cultuado na antiga Palestina na forma de uma figura barbuda, com a boca aberta, tendo por língua um gigantesco falo. O sabá dos feiticeiros da Idade Média não foi senão uma repetição, herança das festas de Belfegor. Belphegor é um dos sete princípes que governam o Inferno, sendo a personificação do primeiro pecado, a preguiça. Sua aparência modifica-se de acordo com a citação, desde um ser bestial (semelhante a um lobo) até um velho alto, barbudo, possuindo uma língua com forma de falo, dentes caninos grandes e uma cauda de dragão. (fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Belphegor).
[24] A expressão grega é daimonios anhr, isto é, homem marcado pelo gênio, pela divindade daimon. Nossos correspondentes “genial” ou “de gênio” derivam para a idéia de talento. (N. do T.)
[25] Exu (Èsù) é a figura mais controversa do panteão africano, o mais humano dos orixás, senhor do princípio e da transformação. Deus da terra e do universo; na verdade, Exu é a ordem, aquele que se multiplica e se transforma na unidade elementar da existência humana. Exu é o ego de cada ser, o grande companheiro do homem no seu dia-a-dia. Muitas são as confusões e equívocos relacionados com Exu, o pior deles associa-o à figura do diabo cristão; pintam-no como um deus voltado para a maldade, para a perversidade, que se ocuparia em semear a discórdia entre os seres humanos. Na realidade, Exu contém em si todas as contradições e conflitos inerentes ao ser humano. Exu não é totalmente bom nem totalmente mau, assim como o homem: um ser capaz de amar e odiar, unir e separar, promover a paz e a guerra (Nota disponibilizada no site: http://ocandomble.wordpress.com/os-orixas/exu/.)
[26] POURRIOL, Ollivier. Ibidem, p. 120
[27] Sugere-se uma das melhores traduções em português aquela realizada pela editora UNB da Ética à Nicômaco.
[28] O termo práxis é traduzido para o português por “ação”. É distinto do sentido do termo poiésis, ligado na tradição grega à “arte” (téchne, a “atividade produtiva”, poietiké). O alcance do termo práxis é sempre ético, não designa, pois, qualquer espécie de “ação”, mas aquela que se vincula à conduta humana boa ou má. Fonte: Márcio Petrocelli Paixão, O Problema da Felicidade em Aristóteles, p.39.
[29] SPINOZA. L´Éthique. Tradução: André Telles. In: cinefilô, p.123.
[30] POURRIOL, Ollivier. Ibidem, p.130.
[31] POURRIOL, Ollivier. Ibidem, p.133.
[32] Estâncias (Stanze) de Giorgio Agamben é o título de uma de suas obras fundamentais sobre a reflexão da melancolia e da poesia como âmbito do real, i. é., cômodo em que se abriga a essência das artes e da literatura.
[33] Ibidem, p. 40-41.
[34] Ibidem, p. 41.
[35] Ibidem, p.42



 Lista de Ilustrações:


[i] Disponibilizado no site: afrodite.saopedrotur.com.br
[ii] Disponibilizado no site: http://andreaalves.blog.br/wp-content/uploads/2011/06/ares_afrodite.jpg
[iii] Disponibilizado no site: http://www.caboclotabajara.com.br/oxum_75.html
[iv] Eros e Psiqué – escultura do acervo do museu do Louvre - Paris
[v] Imagem de autor desconhecido.
[vi] Crucificação, de Salvador Dali – 1954 – Metropolitan Museum of Art de Nova York
[vii] O Cristo de São João da Cruz por Salvador Dali (1951) – Museu e Galeria de Arte de Kelvingrove, Glasgow
[viii] Luis Lagrenée – La Mélancolie, 1785, museu do Louvre - Paris
[ix] Saint Jean – Deodato di Orlando, séc XIII, Francfort
[x] Gérard de Saint-Jean – Saint Jean Baptiste (1480/5), museu de Berlin
[xi] Mestre de Estrasburgo, séc. XV, museu da obra de Notre Dame, Estrasburgo
[xii] Ilustração do Opusculum Scholae Salernitanae...ed. Johannes Curio, Francfort, 1557
[xiii] Gravura de Albrect Dürer (1471-1528)
[xiv] La Mélancolie de Jacob II de Gheyn, 1596, Amsterdam
[xv] Belphegor — Ilustração do Dictionnaire Infernal ou Dicionário Infernal (em língua portuguesa) é um livro sobre demonologia ilustrada, organizada em hierarquias infernais, escrito por Jacques Auguste Simon Collin de Plancy e publicado no ano de 1818.
[xvii] Jules le Chevrel (1865) – Sócrates afastando Alcebíades do vício.
[xviii] Um jovem nu toca o aulos para um banqueteiro: taça ática de figuras vermelhas do Pintor de Euaion, c. 460-450 a.C. – Museu do Louvre.
[xix] A morte de Jacinto - Jean Broc (1801) – Museu de Santa Cruz, Poitiers – França.
[xxi] Rapto de Ganymede – Rubens – Museu do Prado (1611).

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